Lizi Dalenogari/RSN com Elis Carraro, acad. da Unicentro
Guarapuava – A família da pequena Celine Vagliati Tilchler, de 1 anos e 4 meses, que teve a morte encefálica declarada ontem (14), após sofrer uma queda da escada que resultou em traumatismo craniano na última segunda-feira (09), em Cantagalo, autorizou a doação dos órgãos. A captação foi feita hoje (15), no Hospital de Caridade São Vicente de Paulo, onde Celine estava internada. De acordo com a Central Estadual de Transplantes (CET/PR), o fígado, o coração e os rins de Celine já tem receptores sendo preparados para receber os órgãos. Quatro crianças serão beneficiadas pelo ato de amor, que segundo o pai de Celine, Jeferson Tilchler, alivia o sofrimento da perda.
Celine tinha um ano e quatro meses
“É muito difícil, só quem passa por uma dor desta pode avaliar, mas estamos confortados. Tem famílias em festa com a notícia que o órgão que seu filho, ou parente tanto precisa, está finalmente a caminho. Temos conosco que era a vontade da nossa princesa e isso nos alivia”, diz emocionado o pai.
Para a mãe Thaiana Vagliati, foram inúmeras as orações, grandiosa a comoção de pessoas que ela nunca conheceu, lhes dando apoio pelas redes sociais. “Estamos em paz em saber que estas crianças terão seus sofrimentos amenizados com a nossa atitude. Tivemos muito apoio das pessoas pelas redes sociais que fizeram orações, mandaram pensamentos positivos. Esta é nossa forma de agradecer todos, principalmente aos primeiros socorros prestados pela secretaria de saúde de Cantagalo e posteriormente pelo trabalho dedicado, amoroso, de verdadeiro cuidado com o ser humano, que esta maravilhosa equipe do Hospital São Vicente nos deu. Eternamente gratos”, enfatiza a mãe de Celine.
Doar Órgãos é salvar vidas
A generosidade da família de Celine transformará – e salvará – vidas. Um menino de 3 anos, já está no aguardo no Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba, a espera que o coração de Celine bata em seu peito. “Fico imaginando a alegria dos pais deste menino. Aí pensamos na nossa tristeza e da alegria deles e constatamos que nossa princesinha tinha esta missão. Vidas vão continuar através dela e isso nos dá um conforto diferente, até difícil de explicar, mas fácil de se sentir”, conta o pai.
Os rins serão cada um doado para dois receptores que também estão sendo preparados para receber os órgãos. O fígado de Celine também já tem receptor no aguardo.
A história de Celine é tocante, mas, infelizmente, rara. “Há uma carência muito grande de doadores de órgãos em todo o país”, observa o presidente da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos, Valter Garcia. Segundo ele, no Brasil são feitos por ano apenas cerca de 15 mil transplantes, e a fila de espera é de 70 mil pessoas. O número de pessoas que morrem enquanto aguardavam doadores varia de 5% a 30%, dependendo do órgão, anualmente. O Brasil tem índices de doação mais baixos que o Uruguai, o Chile e a Argentina.
O sargento Fernando, do Corpo de Bombeiros, vez o transporte dos órgãos do hospital até o aeroporto, onde um avião aguardava na pista. “Nós levamos cerca de 10 minutos até o Aeroporto. Por ser o carro de bombeiros se abre o trânsito mais facilmente e como temos que ser rápidos, é a melhor opção”, explica.
O processo de doação de órgãos dura, em média, 24 horas, e o corpo então é liberado para os trâmites do enterro. Os cortes da cirurgia são cuidadosamente costurados, de modo que é possível manter o caixão aberto durante o funeral. Segundo especialistas na área, não há sequer como identificar o corpo de um doador. Os planos de saúde cobrem a doação de córneas e rins, mas a maioria dos transplantes é feita pelos hospitais do SUS (Sistema Único de Saúde). Muitos segurados desconhecem a cobertura que os planos oferecem para esses dois tipos de transplantes.
Todo órgão pode ser transplantado?
Os órgãos transplantáveis são: coração, pulmões, rins, fígado, intestino e pâncreas. Os tecidos são: córneas, valvas cardíacas, osso, pele, tendões e ligamentos. E existe ainda o transplante de células, como o de medula óssea.
Enquanto um número maior de pessoas não concordar com a doação, e os médicos hesitarem na hora de pedir às famílias os órgãos de seus parentes, pacientes continuarão morrendo desnecessariamente. “As pessoas não querem perder aqueles que amam, mas têm de entender que a morte cerebral é irreversível”, diz a enfermeira Caroline Camargo que cuidou de Celine e amparou os pais neste momento. “Graças a Deus a mentalidade das pessoas está mudando e podemos presenciar um gesto maravilhoso desse. Um casal tão jovem tendo a maturidade de tomar uma decisão séria como esta em um momento de tanta dor. Admirável e um bom exemplo a ser seguido”, emociona-se a enfermeira.
“No sofrimento em que nossa filhinha estava, eu só pedi para Deus: me devolva ela para meus braços ou leve-a para junto de Ti e lhe dê o descanso. Ele atendeu meu pedido e nos deu o discernimento desta decisão. A vida de nossa filha pulsará em outras vidas”, conclui Jeferson, com o “cheirinho” da filha nas mãos.