22/08/2023
Brasil

Uma noite em que todas as vacas são pretas

Se a legalidade do impeachment continua sendo questionada por juristas consagrados e por setores da opinião pública avessa a um possível projeto neoliberal em curso, é quase unânime a ‘suspeição’ acerca da legitimidade daqueles que podem assumir o comando do País. No entanto, apesar disto, a preferência nacional vive dias de regozijo e exibe uma sensação de vitória e isto precisa ser compreendido em sua essência. Há uma razão de ser.

O que me deixa inquieto com tudo isto é que deveria haver uma solução mais sensata e equilibrada do que esta que estamos prestes a engolir, seja por proposição da própria Presidente [ novas eleições ] , seja pelo STF [ afastamento da chapa e do Presidente do Congresso ].

Sobre o evento em si, a votação, o que mais vi foi ‘injustos falando de justiça’, seja do lado dos que apoiavam a admissibilidade do impeachment ou daqueles que rechaçavam raivosamente.  Com raríssimas exceções o Congresso passou uma ideia de ser ‘terra de ninguém’ ou muito próximo do domínio de uma bancada evangélica conservadora e com nítidos interesses privados e eleitoreiros.

O discurso de vitimização do governo e de um populismo que já não se sustenta mais e que usou da boa fé de pessoas simples para construir um patrimônio ilícito jamais visto até então de um lado e o discurso ufanista e sadomasoquista de um prazer sem sentir dor daqueles que acreditam estar em condições de administrar o país  sem apontar um único caminho viável,  foi hilário. Vimos um cenário de dramaturgia governista que insistia em vender um bilhete premiado que, se já existiu em épocas de vacas gordas, não existe mais e, de outro lado, um bando de caçadores que não oferecem sentido à política, ávidos pela caça ilegal a qualquer custo.

Cidadãos lúcidos tiveram certeza do divórcio entre política e poder, além da veracidade de que ‘com estes parlamentares’ [em sua maioria absoluta], nada podemos fazer.

O fato é que no Brasil de hoje, gosto político se discute e pior, sem racionalidade. Não se viu ali a defesa de um projeto diferente ou de novos fundamentos. Assistimos um binarismo suicida, profundamente esgotado.  

Utilizando uma máxima hegeliana, a votação no Congresso foi literalmente “uma noite em que todas as vacas são pretas”, com monotonia, conteúdos insossos e discursos vazios, com raríssimas exceções.

O que fica claro é que apenas negar algo não parece ser a saída. Fundamental é um novo projeto de país que considere novas possibilidades de reação e está claro que não se consegue isto sem o resgate da confiança e da legitimidade da maioria da população. Daí que minha aposta seja de fato em um novo processo eleitoral que garanta o mínimo de legitimidade necessária. Algo que inspire a unidade para sua criação e recuperação.

É uma insanidade afirmar que todos os que vestiram verde e amarelo são coxinhas ou burgueses alienados.  Há indícios que, em grande parte, sejam parte de uma sociedade aberta, plural,  diferente de militantes ortodoxos já conhecidos por todos nós. Neste sentido, tenho a impressão que esta grande maioria tenha enxergado que,  neste momento,  seria impossível tirar todos de uma vez, daí a tese de avalizar o impeachment presidencial, mesmo que isto significasse, por um período, o abraço ao diabo. A opção de gastar energia contra o PT se deve ao entendimento, mesmo que parcial, de que o PMDB  oferece menos risco neste momento, até porque o papel do PMDB após a redemocratização foi o de ser sempre uma sombra permanente do poder [a peemedebização]  com acordos e conchavos e não o gângster principal como tem sido o PT que teria jogado fora seu suposto discurso ético e de bons exemplos enquanto partido de oposição em uma vala comum ou pior que a comum, cheirando enxofre.

 

Cristina Esteche

Jornalista

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