22/08/2023
Brasil

Um "Raôxis" do Preconceito

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Quando eu entrei na faculdade de Letras, no finalzinho do século passado, um dos livros que muito me marcou foi Preconceito Linguístico, do Marcos Bagno. Lembro bem a passagem em que ele dizia vivermos um tempo em que os preconceitos, ainda existentes, tendiam a ser malvistos. Com exceção de um: o preconceito linguístico. E ele estava mais que certo; eu mesmo fiquei em dúvida sobre fazer ou não Letras por causa desse preconceito.

Explico: quando fiz cursinho, tive um professor de gramática muito bem preparado (para os moldes da época), cujas aulas eram sempre baseadas em debochar dos usos "não padrão" da língua (e "não padrão" entre aspas mesmo, porque qualquer estudante médio das Letras sabe que a definição de norma é menos simples do que parece).

Embora Letras já fosse uma opção na minha cabeça, eu pensava: "mas eu não quero ficar igual a ele…".

Passados já alguns anos disso tudo, a repercussão da "peleumonia" do suposto doutorindica que vivemos um novo momento, em que o preconceito linguístico assume o mesmo status dos demais: só pode ser exercido de forma velada.

Certamente, muitos indignados das redes sociais não veem problema na concepção preconceituosa do médico, mas na sua explicitação.

São pessoas que vão continuar debochando do sotaque de um, "dos plural" de outro… Gente que, para calar quem mais precisa de voz, vai continuar dizendo que o outro "não sabe nem falar" — mas com a discrição hipócrita que abriga os nossos mais diversos preconceitos (racial, de gênero, de grupo social etc).

Otimista que sou, ainda assim vejo um avanço: o preconceito linguístico continua existindo, porém pelo menos está sendo visto como tal, como preconceito. Já é um 7 X 2.

*Henrique Braga é professor da Educação Básica e participante do Coletivo AVE

Cristina Esteche

Jornalista

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