22/08/2023
Guarapuava

A maior viagem de todas!

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Normalmente e geralmente, ao contrário do que pensam mães, esposas e namoradas, na grande e esmagadora maioria das vezes, em uma roda de bate papo de amantes do motociclismo, com exceção ao assunto das máquinas em si, a conversa que impera são as viagens. As longas, os bate-e-volta, as que são caras ou baratas, suas paisagens ou pessoas nela conhecidas, as que deram origem a fatos inesquecíveis, sejam eles tristes, alegres, românticos, chatos ou mecânicos (rs). Enfim, cada um, nessas rodas de amigos sempre tem histórias de viagens pra contar, sugerindo, gabando-se, reclamando ou mesmo dando dicas aos parceiros para que façam igual ou mesmo diferente do viajante para se dar bem ou pelo menos para não se dar tão mal.

Então, dias atrás, um questionamento “meu comigo mesmo”, que se iniciou numa dessas conversas se prolongou mesmo após ir embora. Confesso que fiquei absorvido por algum tempo, buscando lembrar, classificar e definir qual, até hoje, teria sido minha viagem preferida, a que me deu mais prazer, que gerou mais lembranças e histórias pra contar, a que me deixou mais eufórico, triste ou mais feliz.

Normalmente para lembrar de viagens de moto, não é preciso muito esforço, você simplesmente consegue reviver todas elas, passe o tempo que passar, inclusive seus detalhes.  É impressionante!

E então, continuando a remexer a caixa de pandora de minhas memórias, comecei a lembrar-me de uma viagem, há quase 14 anos, quando me encontrava em uma cidadezinha a uns 50 kms de Guarapuava, onde havia me instalado temporariamente por uns seis meses:  eu, a patroa e a Perpétua, a maior e mais bela tarântula de estimação que já tive.

Eram quase nove horas da manhã, quando um colega de trabalho, me chamou e avisou que tinha uma ligação urgente no escritório, sala esta que era no meio do mato à beira de um rio –  sim, era na casa do chapéu este lugar, um buraco, que de tão feio chegava a ser belo. Localizado a algumas horas de onde disse que estava morando.

Pois bem, atendi ao telefone e a pessoa que me deu o recado, a qual nem lembro mais quem era, disse-me: "Victor, seguinte, a bolsa de sua esposa rompeu e seu filho está para nascer. Ela encontra-se em trabalho de parto”.  Ok,  foi minha resposta. Logo pensei: “Putz, piá apressado e teimoso quis nascer antes da hora!” E após uma explicação que deve ter durado no máximo cinco segundos ao dono da empreiteira, corri!

Subi a bordo de meu fusca 78, de cor simplesmente indescritível. A sua aparência medonha só perdia para a quantidade de ruídos, vibrações e barulhos que ele fazia, mas serviu-me bem. Lancei-me para dentro dele e nunca mais parei!

Sabe aquela sensação de “Forrest Gump”, que você começa a correr e nunca mais para, que evita pensar e simplesmente segue em frente? Acredito que todos em algum momento da vida a tenham sentido.

Desde aquele instante, em que virei a chave do fucão, e comecei a trilhar a estrada empoeirada e esburacada, seguindo pelo asfalto até chegar no hospital, tenho essa sensação, de não poder parar ou me acomodar, não como uma tarefa árdua, apenas contínua! Não podia mais me dar ao luxo do ócio.

Desde o início daquela pequena, mas interminável viagem, seguiram-se outras tantas após o nascimento do Lorenzo. Mesmo acometido por uma lesão cerebral após e desde seu nascimento, já viajamos juntos de carro, de van, de barco, voadeiras, trens, charretes, carroça e avião e, é claro, tivemos nossos passeios de moto. O destino variado a estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Brasília, grande parte do Paraná, Goiás e Minas Gerais. Algumas deliciosas e marcantes viagens de férias e passeios, onde ele desfrutou de muitas aventuras em água, ar, mato, terra e areia. Outras nem tanto, como quando viajou dois dias após nascer em uma ambulância de UTI móvel rumo à capital, onde lutou desesperadamente por sua vida e venceu! 

Desde seu nascimento, o Lorenzo pode se gabar que já possui uma boa quilometragem e experiência. Acredito que é mais rodado que muitos em uma vida toda e como disse acima, o moleque não nos deixa parar, vem nos empurrando e embalando e ao mesmo tempo abrilhantando o mundo com sua existência, sua sinceridade, com sua ingênua malandragem, fazendo amigos e admiradores por onde passa. Quem conhece pelo menos um pouco desse menino tão especial, entende o que digo.

Sendo assim, logo ficou fácil escolher a maior e melhor viagem de minha vida. Sem sombra de dúvidas foi essa que iniciei há 14 anos. Uma viagem longa, que comporta várias outras viagens dentro de seu curso, com um companheiro extraordinário disposto a tudo e exigindo quase nada. Um parceiro que todo dia ensina algo aos que com ele compartilham essa estrada, que nos mostra a verdadeira superação a todo instante. Um menino o qual descreveria simplesmente como Iluminado, realizando prodígios por onde passa e sem esforço algum, nos dando lições diárias de valor à vida e a coisas que realmente importam neste mundo. Nos possibilitando a aprendizagem  do respeito entre os desiguais, do exercício da paciência, da aceitação, da humildade e, principalmente, nos ensinando o verdadeiro e mais puro sentido do amor.

Por sorte, esse passeio estará muito longe de acabar, se é que terá fim, ainda temos muito que aprender com esse iluminado companheirinho de viagem, que me faz concluir que não sou eu quem a conduzo, sendo apenas mais um coadjuvante com o privilégio de estar ao lado desse anjo numa rota que é dele, mas que permite e proporciona a mim,  sem sombra de dúvidas  "a melhor e maior viagem de todas em minha vida".

Lorenzo, obrigado por me escolher para ser seu pai e seu companheiro nesta adorável estrada!

 

Cristina Esteche

Jornalista

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