22/08/2023
Segurança

Reportagem: Condenação de Diego a 16 anos aumenta expectativa para julgamento de Carli Filho

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Guarapuava – O julgamento do jovem Diego Pereira dos Santos, 22 anos, condenado a 16 anos de reclusão por ser o autor das mortes dos jovens Ericson Augusto Pereira e Maridelma Luteski na noite de 10 de abril de 2008, abre um precedente que coloca a opinião pública novamente em atenção com o caso do ex-deputado estadual Fernando Carli Filho. Diego foi condenado por dirigir alcoolizado, atravessar uma preferencial e provocar a morte de duas pessoas no centro de Guarapuava.

O ex-deputado Carli Filho também dirigia embriagado e em alta velocidade, colidindo seu carro (um Passat alemão) contra um Honda Fit e matando seus dois ocupantes numa avenida de Curitiba.

Diego foi preso em flagrante na noite do acidente e permaneceu um ano e oito meses na Cadeia Pública, até o dia 30 de dezembro último, quando foi colocado em liberdade provisória para aguardar o julgamento, que ocorreu na última quinta-feira, 14. Após 9 horas, o juiz William da Costa promulgou a sentença, levando o réu direto do júri para a Penitenciária Industrial de Guarapuava (PIG). A sentença provocou correria por parte da defesa. A namorada do réu, grávida de oito meses chorou convulsivamente. O mesmo aconteceu com a mãe de Diego, Beatriz, que durou o tempo em que o filho esteve preso tentou de todas as formas que o filho respondesse o processo em liberdade. Beatriz, fez diversos apelos para que dessem o mesmo tratamento dispensado ao ex-deputado Fernando Carli Filho, mas todas as investidas foram em vão.

As coincidências entre o Caso Diego e o Caso Carli Filho foram trazidas à tona pelos próprios advogados durante o julgamento. O promotor João Milton Sales citou três vezes os desdobramentos do episódio que envolveu o ex-deputado, mas pediu que os jurados fizessem análises independentes, por entender que as provas contra o réu Diego Pereira dos Santos eram mais que suficientes para a condenação.

O que surpreendeu a todos, porém, foi a intervenção de um dos advogados de defesa de Diego, Fábio Ribas Martins. Para desqualificar um vídeo trazido pela acusação, reproduzindo uma reportagem do programa “Fantástico” (Rede Globo) sobre violência no trânsito, o advogado passou a atacar a imprensa. Fábio Ribas criticou inclusive o site ‘Rede Sul de Notícias” por ter publicado uma foto onde Diego e seu amigo Ericson, que morreu no acidente, aparecem com um litro de vodca na mão. Detalhe: a foto foi cedida pela própria mãe de Diego.

A única coisa que o advogado não conseguiu fazer foi absolver seu cliente, muito menos deixar que sua presença, como defensor do réu, suscitasse comparações imediatas com o Caso Carli Filho. Isso porque, para reforçar essa situação, Fábio Ribas é primo do ex-deputado, foi procurador-geral da Prefeitura de Guarapuava no segundo mandato de Fernando Ribas Carli (2005-2009) e, reforçando ainda mais, é advogado particular em diversas ações que o prefeito responde ou demanda na Justiça.

A tese defendida pelo advogado principal de Diego, o criminalista Miguel Nicolau Junior, era de que o jovem tinha consciência de que poderia provocar um acidente, mas não queria que isso acontecesse. Com isso, o réu deixaria de ser acusado por um crime comum e responderia por um crime de trânsito, com pena bem mais branda. Mesmo se condenado, poderia ser posto em liberdade, considerando-se o tempo que já ficou preso.

Entretanto, as alegações da defesa não foram acolhidas pelo Tribunal de Júri e a sentença, segundo o promotor João Milton Sales, provoca mudança na política criminal que vai de encontroo ao que há de mais moderno no Direito. “O Ministério Público tem procurado considerar que os crimes de trânsito relacionados a irresponsabilidade dos condutores devem ser considerados crimes dolosos”, afirma o promotor.
Por esse entendimento, as chances de um criminoso de trânsito ficar em liberdade são bem menores.

Semelhanças e diferenças

A semelhança entre o caso envolvendo Diego Pereira dos Santos e o ex-deputado Fernando Ribas Carli é grande. No dia 7 de maio de 2009 o ex-deputado Fernando Carli Filho se envolveu em acidente cujas causas coincidem com aquele que tem Diego como autor.

O primogênito do prefeito Fernando Ribas Carli, assim como o filho de dona Beatriz,
foi denunciado pelo Ministério Público por duplo homicídio, qualificado, com dolo eventual, por dirigir embriagado e ainda violar a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação. Assinada pelos promotores de Justiça Danuza Nadal e Marcelo Balzer Correia, a denúncia foi ajuizada perante a 2ª Vara de Delitos de Trânsito da capital.

Carli Filho é acusado pela morte de Gilmar Rafael Yared e Carlos Murilo de Almeida, na madrugada do dia 7 de maio, após colisão entre o Volkswagen Passat que dirigia e o Honda Fit conduzido por Gilmar Yared. Só não foi preso em flagrante porque tinha foro privilegiado.

Um fato, porém, distingue um caso do outro é que o réu Diego Pereira dos Santos admitiu em seus depoimentos que dirigiu alcoolizado. Já o réu Fernando Carli Filho além de declarar que não se recorda de nada do dia do acidente foi favorecido por uma decisão judicial que não acatou o exame de dosagem alcoólica que era uma das principais peças apresentadas pela acusação

As coincidências e as diferenças entre Diego e Fernando Filho pautaram a Revista RPC no dia 23 de agosto de 2009. A reportagem mostrou que enquanto o ex-deputado aguarda a decisão da Justiça em liberdade, Diego estava confinado numa cela comum dividindo o pequeno espaço com outros 8 presos.

Para a mãe Beatriz, este é o preço que seu filho pagou por não ter nascido em “berço em ouro”. “O ex-deputado está solto porque foi enquadrado em crime de trânsito, enquanto o meu filho está preso como autor de crime comum, como pessoa que representa perigo à sociedade como declarou o juiz Nestário Queirós”, disse Beatriz em agosto do ano passado. Foi essa alteração na tipificação do crime (de doloso para culposo com culpa consciente) que a defesa de Diego trabalhou durante o julgamento, mas que não foi acatada pelo júri.

Na entrevista concedida à RPC, o juiz falou também que o acidente provocado por Diego provocou comoção pública à sociedade, e que sua prisão era para manter a ordem pública. “E vocês querem uma comoção maior do que a provocada pelo ex-deputado e que teve repercussão nacional e que, mesmo assim, ele está tranquilamente indo para a academia?”, questionava a mãe de Diego.

“E o que posso pensar quando o promotor Mauro Dobrowolski disse que as vítimas de Diego estavam impossibilitadas de se defender? Será que os dois jovens mortos pelo ex-deputado tiveram a chance de se defender? Qual é a diferença entre o filho do prefeito e o meu filho, com exceção da condição financeira? Que justiça é essa que só privilegia os ricos?”, indagou a mãe à época.

A partir da entrevista concedida por Diego à RPC, Beatriz disse que o criminalista Miguel Nicolau Junior substabeleceu o processo a advogados de Curitiba. “Ele (o advogado) trabalha na Prefeitura e disse que se a gente concordasse em dar entrevista à RPC ele deixaria o caso”, contou Beatriz.

O que chama a atenção e ficou evidente durante o júri de Diego é que a defesa do jovem conta justamente com os advogados Miguel Nicolau Junior e o ex-procurador do Município Fábio Martins Ribas, primo e advogado particular do prefeito Fernando Ribas Carli em algumas ações. Miguel Nicolau é assessor jurídico da Prefeitura.

Tecnicamente, jamais o prefeito deixaria seu advogado atuar num caso, que lembra diretamente o seu filho, Nando, se Carli não tivesse interesse direto no caso. “Eles (a defesa) está buscando jurisprudência para o caso do filho do prefeito”, afirmou uma acadêmica de Direito que acompanhou o júri de Diego pela manhã e que pediu para não ser identificada.

A estudante de Direito pode ter razão. O que se percebe é que o interesse da defesa de Diego veio depois que Carli Filho foi denunciado pelo Ministério Público.
Para completar, a assessora de imprensa de Carli, Joelma Baitel, foi pessoalmente ao Tribunal de Júri acompanhar o julgamento, embora por poucos minutos – fato que não se verificou em outros júris. Além de assessora de Carli, Joelma é irmã da namorada de Diego, grávida de oito meses.

Outro fato curioso é que o júri de Diego deveria acontecer no dia 24 de novembro de 2009, mas foi adiado para o dia 14 de janeiro de 2010, a última quinta-feira, portanto, 21 dias antes da audiência de instrução e julgamento no caso Carli Filho marcada para 4 de fevereiro de 2010, quando 38 testemunhas, entre acusação e defesa, serão ouvidas em Curitiba.

O pedido de adiamento do júri de Diego foi feito por Fábio Martins Ribas justificando que Miguel Nicolau Junior tinha sofrido um mal súbito (ameaça de infarto). Dias depois, o próprio Miguel Nicolau informou que o mal não passou de um problema de coluna.

A tentativa

A tentativa da defesa de Diego Pereira dos Santos de desqualificar os crimes de dolosos para culposos com culpa consciente não foi aceita pelo Júri. Diego foi condenado a 16,4 anos de reclusão, dos quais já cumpriu um ano e oito meses. Ele saiu da Sala do Júri de para a PIG. A diferença entre essas duas tipificações é tênue. No dolo eventual, o agente assume o risco, mas continua com a sua conduta, sem se importar se esse ato vai acarretar crime ou não.

Já na culpa consciente, embora o agente saiba que algo lesivo possa acontecer, ele não quer que o fato aconteça. O criminalista Miguel Nicolau Junior não pediu que o réu fosse inocentado, mesmo porque ele próprio admitiu a culpa, mas buscou reduzir a pena. Não conseguiu. A defesa promete recorrer da sentença.

Leia mais sobre o “caso Diego”:

– JULGAMENTO DE DIEGO: Leitura da sentença é marcada pela comoção de familiares
CLIQUE AQUI;

– Diego é condenado a 16 anos e 4 meses de reclusão CLIQUE AQUI;

– Júri de Diego começa às 9 horas de hoje, quinta-feira CLIQUE AQUI.

Foto: arquivo

Cristina Esteche

Jornalista

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