Por Jorge Bastos Moreno para O Globo
Brasília – Ao abrir os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, no dia 4 de fevereiro de 1987, Ulysses Guimarães sinalizou o espírito que nortearia os 19 meses seguintes: “É um Parlamento de costas para o passado que se inaugura hoje para decidir o destino constitucional do país.”
Um Brasil mergulhado em grave crise econômica e que passara 20 anos sob uma ditadura se reunia ali, naquele plenário, hoje batizado com seu nome. E a nova Constituição seria uma imensa tarefa de conciliação de expectativas e interesses, a maior dos 42 anos de vida pública daquele homem que, à época, personificava a palavra poder.
Ulysses nunca escondeu que gostava do poder – disse que era afrodisíaco – , mas sempre teve propósitos que deixaram qualquer traço de personalismo em segundo plano. Pairou acima dos partidos no comando dos trabalhos. “Conduzir essa caminhada é tarefa da política. Sem esse ideal maior, a política desce de sua grandeza à superfície das disputas menores, do jogo ridículo do poder pessoal, da acanhada busca de glórias pálidas e efêmeras”, anunciou, naquele discurso.
Após 320 sessões, ergueu a nova Carta e chamou-a de Cidadã. O gesto foi a síntese de uma vida dedicada à política. Autoproclamado “político por vocação, por ofício único, por devoção exclusiva”, para Ulysses a política era sinônimo de esperança: “É salvadora e redentora. Não pode ser apocalíptica, torva mensageira de sinistros e desgraças.” E estava a serviço do homem, em primeiro lugar: “É para o homem, na fugacidade de sua vida, mas na grandeza de sua singularidade no universo, que devem voltar-se as instituições da sociedade.”
Foi em nome da esperança que a política encerra que, em 1973, lançara-se contra os generais de plantão como o “anticandidato”. Queria “descongelar o medo que aviltava os que desejavam participar da política”. Hoje, faria 100 anos. Seu legado mostra que a política, em sua grandeza, é a arma mais poderosa para mudar a sociedade.