Por Luiz Carlos da Cruz, colaboração para a Folha, em Cascavel
Ela é baiana de Valença e trabalhou em uma rede de fast food do Espírito Santo até decidir deixar a cidade para se juntar a um acampamento sem terra no Paraná. Foi no Sul que também descobriu mais uma habilidade: a de desfilar em passarelas.
"Lido muito bem com a diferença de status de tirar um vestido de gala e salto alto para colocar botas e roupas para trabalhar no campo. Continuo a mesma, só que com necessidades diferentes", diz a sem terra Jaires Gomes, de 21 anos, eleita no ano passado Miss Quedas do Iguaçu.
A cidade do Centro-Sul do Paraná abriga o acampamento Dom Tomás Balduíno, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O local esteve no centro de um conflito com policiais militares em abril deste ano, que deixou dois agricultores mortos e dois feridos. Os sem terra culpam os PMs pelas mortes, que, por sua vez, apontam os acampados como autores. O caso é investigado pelas polícias Civil e Federal e pelo Ministério Público.
Jaires estava em sua casa de madeira, erguida no acampamento, no dia das mortes. "Bateu uma tristeza, pois conhecia os dois companheiros e a família deles. Imaginei como estavam os familiares com essa perda." Ela juntou-se aos sem terra em julho do ano passado, com o irmão de 16 anos. "Sonho em ter um pedaço de terra, mas a vida pode seguir outro rumo", diz Jaires.
Mesmo com trabalhos em São Paulo atualmente em São Paulo, ela ainda espera ser assentada no Paraná. Nesse caso, seu irmão seria o responsável por cultivar a área. A rotina do campo da 'baiana', como é chamada, inclui produção, roçada e plantio de legumes e hortaliças. Ela ainda participa de reuniões de formação política e agroecologia.
Os pais de Jaires chegaram três meses antes dos filhos e estão acampados no município vizinho de Rio Bonito do Iguaçu. Deles partiu o convite a ela para ingressar no MST – na época ela era gerente de uma unidade da rede Subway, em Serra (ES).
CONCURSO DE BELEZA
Apesar da experiência na cidade e na roça, Jaires diz que sempre sonhou em ser modelo. Ela chegou a participar, sem sucesso, de algumas seleções no Espírito Santo. Em um encontro de jovens do MST, um palestrante a incentivou a investir na carreira. "O professor falou que eu tinha perfil para participar de concursos de beleza e que seria importante representar o movimento."
Ela então se inscreveu no Miss Quedas do Iguaçu em 2015. Levou o título. Depois vieram outras vitórias, como o Miss America ExpoWorld, em julho, em Curitiba. Para se manter em São Paulo, ela fez um curso de bartender e "bicos" nos fins de semana.
A jovem sem terra diz que pretende se dedicar à carreira de modelo, mas sem abandonar suas raízes. Com ensino médio concluído, ela quer estudar moda ou cinema. Entrar na carreira de modelo, diz, é uma forma de deixar para trás preconceitos.
"Para o acampamento é um orgulho ter alguém representando a organização e romper preconceitos. É ter coragem de assumir que pertence a um acampamento, não esconder raízes."