22/08/2023
Brasil

Entre o "aí não dá" e "o que nos resta"

Está claro que estamos vivendo um período claramente denominado “pós-democracia”. Costumo dizer que horizontes de pensamento encolhem se não há espaço para visões alternativas e hoje o repertório está praticamente esgotado. Há pouquíssimas perspectivas de contraponto e resistência diante do imperativo da ordem econômica mundial.

O recado que o ‘poder soberano’ está dando é este: “o mercado e a tecnologia irão resgatar a sociedade e farão uma  música antiga, mas eficiente.  De fato, parece ser  o que temos para hoje e para os próximos dias”.

A grande pergunta que fica é: o que no resta?

Um fator a ser levado a sério é a tendência geral para uma inclusão cada vez mais restrita dos partidos políticos dentro do complexo organizacional do estado. No mundo eles [ os partidos políticos ] estão em baixa. Seu poder foi completamente diluído. Assim, não existe mais representatividade. Se nas jornadas de 2013 grande parte da população brasileira gritava “vocês não nos representam”, hoje o mercado destitui os partidos políticos.

Já perceberam como as decisões econômicas consideradas básicas que afetam a sociedade são removidas da escolha democrática? Segundo o grande capital, não há porque consultar a sociedade. O veredicto é que a população não tem o direito de decidir tais questões.  Já faz tempo que Platão escreveu: “Se estivéssemos doentes, e precisássemos de nos aconselhar com alguém em matéria de saúde, procuraríamos um especialista — o médico. A última coisa que desejaríamos seria reunir uma multidão e pedir aos presentes que elegessem, através de voto, o remédio certo.”

Vejo uma completa abdicação da política em face aos imperativos  do mercado.

O governo que caiu [leia-se Dilma] tinha por hábito a política de abaixar a cabeça e seguir em frente sem compreender  o que estava por vir e que  parte de seu  engodo um dia seria descoberto.  No jogo de xadrez mexeu em peças erradas. Quando tentou reverter esta máxima, se perdeu completamente. O erro deste atual governo posto é desconsiderar completamente o que de bom foi feito, fechar-se em quadrilha parlamentar e tentar fazer alguma reforma, mas agindo ilicitamente nos bastidores. Aí não dá.

Não podemos mais patinar na lama sem fim em vista. Não suportamos mais isto.  Infelizmente, é só retrospectivamente que se percebe que poderia ter sido de outra maneira.

O que ainda defendo é que não podemos jogar fora uma alternativa que ainda não foi tentada, qual seja, uma arbitragem entre o econômico e social de forma sustentável. Nunca vimos isto ainda.

O que se pode esperar não do Executivo ou do legislativo [como um todo], mas sim do judiciário,  é o mínimo de convergência de interesses.  O que parece estar desenhado em países mais tensos são novas modalidades de guerra civil, ou seja, o enfrentamento de cidadãos e governos instituídos.

Ora, como deve se sentir um cidadão que perdeu o emprego como resultado da política de cortes de gastos decidida pelo Governo?   O que ele pode fazer de concreto senão tensionar.

Na verdade, o Estado precisa se recuperar. Isto é vital. Somente assim, ou seja, com a recuperação da confiança pode-se cortar o chão de baixo dos pés dos populistas de direita que ameaçam o mundo.   No fundo, a população quer “sem mais visões elevadas, mas soluções práticas”.

Neste momento não há nenhum parâmetro para isso. Pelo impacto de nosso país no mundo e pelo tamanho da crise que aqui se instalou, há indícios de que em breve poderemos criar aqui uma experiência inédita e incomum que poderá ser exportada para o mundo. Será?

Cristina Esteche

Jornalista

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