22/08/2023
Guarapuava

A voz do povo é a voz de Deus?

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É seu bispo, o 'negócio' não tá muito bom pro lado do senhor não, hein. Depois da postagem publicada pelo padre Ari Marcos Bona na noite de Natal, em que relata todas as tentativas por parte dele para que a Mitra Diocesana de Guarapuava tomasse um posicionamento definitivo diante do que estaria acontecendo por lá e que resultou na deflagração da Operação Sacrilégio, e também comunica seu afastamento da instituição Igreja, foi a vez de boa parte da comunidade católica se juntar e mostrar seu apoio, indignação com a administração da Mitra e, principalmente, respeito à decisão do estimado padre Ari. 

A Paróquia Sant'Ana tem 700 lugares e não poderia comportar todas as pessoas que se reuniram na noite dessa segunda feira, 26 de dezembro. Eram cerca de 1.200 pessoas que tomaram a rua, calçadas, o estacionamento e as escadarias da igreja numa demonstração explícita de carinho e entendimento sobre tudo o que padre Ari contou de forma tão corajosa, num post que até às 22h de hoje já havia sido compartilhado mais de 920 vezes e gerou mais de 600 comentários e mais de 2.400 reações. Mas voltemos à vida real, as reações da vida real, ao 'Abraço da Paz' – nome dado ao ato de apoio ao sacerdote.

Enquanto a cúpula da igreja se cala e nada fez ou faz diante das evidências, as lideranças de todas as pastorais da Paróquia Sant'Ana, de outras paróquias da cidade e até da região, além de fiéis, paroquianos, amigos e familiares não se calaram e em coro pediram justiça. Vestindo branco e com balões e flores também brancos, a emoção tomou conta de todos que ali estavam. Não era pra menos. Aurélio Bona e Noêmia Schwarze Bona, pais do padre Ari, estavam visivelmente abatidos. Dona Noêmia quando pediu a palavra, entre outras coisas falou: "Espero que isso amoleça o coração daquele que acredito foi o responsável pela situação, pelo cansaço do meu filho." Foi o que disse uma mãe em prantos, mas com respeito à decisão do filho. "Oração, jejum e joelho no chão", pediu essa mãe, que disse ter alimentado grandes esperanças quando o filho optou pelo sacerdócio.

E que sacerdócio. Que visão tinha Ari Marcos e isso foi lembrado nos vários depoimentos dados. O primeiro a falar foi o coordenador do COPAI (Conselho Econômico da Paróquia Santana), Alceu José Dominico, lembrando o quanto foi gratificante ter o padre Ari à frente daquela paróquia. "O povo assina embaixo em tudo o que foi feito pelo padre", disse ele, lembrando principalmente as ações sociais realizadas através dele. Ações essas enfatizadas por todos que foram ao microfone. Os depoimentos que seguiram lembraram a transformação não só da paróquia em si, mas também de vidas que foram tocadas e transformadas pelas palavras do padre Ari, em suas pregações e homilias. Eram flechas certeiras que vinham de encontro aos corações e mentes de quem passava por ali. "É inegável o ânimo que ele trouxe para essa igreja", disse um amigo, que também pediu que a Mitra se pronuncie sobre o que está acontecendo. "Queremos uma justificativa, uma palavra. A igreja não é do bispo, não é do padre. A igreja é do povo", afirmou ele.

Uma das organizadoras do 'Abraço de Paz', Marcia Masnik, não conteve o choro ao lembrar que seu marido não era de ir à igreja e que depois de saber que todos estavam falando do padre da Sant'Ana, convidou-o para ir a missa. "Ele veio, mas nem sinal da cruz fez. No domingo seguinte, pouco antes do horário da missa, ele já estava pronto. Faz quatro anos que ele não falta em nenhum domingo", contou Marcia.

Os depoimentos seguiram. "Indignação também é um ato de amor", disse Abrão José Melhem, presidente do Movimento Serra, lembrando que não só aqueles fiéis estavam chorando, mas paroquianos de toda a região, tal era o alcance das ações do padre Ari. Tanto é que uma fiel lembrou que o padre ia rezar missa num barracão do Pinhão. "Ele estava sempre com os mais carentes", disse a moça, emocionada. 

O rapaz do canto falou, o Carlos que é morador do bairro Santana há mais de 40 anos e é da pastoral do Dízimo falou, o provedor do Hospital São Vicente, Huberto Limberger, que frequenta a Paróquia Santa Cruz falou, um casal em nome da Pastoral Familiar do Paraná falou, um rapaz de Campo Grande e que vem para Guarapuava duas vezes ao ano, falou. "Há anos eu venho para cá, sempre em julho e dezembro, e vi o padre Ari transformar um pequeno rebanho em uma grande nação. Hoje, vejo suas ovelhas chorando e sangrando", disse o rapaz sulmatogrossense. As palavras de todos que ali falaram foram carregadas de significado, lembrança, admiração.

Depois dos depoimentos, falaram que haveria um canto. Confesso que esperava uma música de igreja, um louvor ou qualquer uma do gênero. Para surpresa, começou a tocar 'Amigo', de Roberto Carlos. "Você é meu amigo de fé, meu irmão camarada…", diz a letra da canção. De repente, antes de chegar no refrão, o som falhou e mesmo sem música, o que se ouviu foram as vozes entusiasmadas e emocionadas cantando a capela e em coro, o refrão da música:

"Não preciso nem dizer 
Tudo isso que eu lhe digo
Mas é muito bom saber
Que você é meu amigo"

Numa demonstração de fé, o ato terminou com uma caminhada e com o terço sendo rezado por todos que ali estavam.

Se a voz do povo é realmente a voz de Deus, fica a dica preciosa para a administração da Mitra Diocesana de Guarapuava. O que foi falado no "Abraço da Paz', o que foi falado pelo padre Ari Marcos, deve ser levado em consideração, sim. A comunidade cristã católica de Guarapuava merece respeito. Respeito que o padre Ari não teve.

*Jonas Laskouski é guarapuavano e repórter da RedeSul de Notícias. Com uma história de vida incrível, renascer para a vida é com ele mesmo. Os fortes entenderão.

Cristina Esteche

Jornalista

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