Com O Globo + artigo de Greg Jaffe do Washington Post
Washington – Horas após o presidente Donald Trump admitir retaliar a Síria pelas recentes ações do regime de Bashar al-Assad, o Exército dos EUA fez sua primeira incursão militar contra o governo durante a guerra civil na madrugada de sexta feira (horário sírio). Dezenas de mísseis foram lançados contra a base militar de onde teria partido o ataque químico que deixou ao menos 86 mortos na segunda-feira. A Rússia, aliada do regime, foi avisada do ataque, revelou o Pentágono.
Segundo altos funcionários, o Exército lançou 59 mísseis Tomahawk a partir de destróiers estacionados no Mar Mediterrâneo, mirando um único destino – Ash Sha'irat, na província de Homs, de onde informações de Inteligência apontam que veio o ataque químico. Foram atingidos por volta de 3h45m a pista, aeronaves e depósitos de combustíveis, segundo altas fontes militares.
"Hoje à noite eu pedi um ataque militar direcionado numa base aérea na Síria, de onde o ataque químico foi lançado. É neste vital interesse de segurança nacional dos Estados Unidos prevenir e dissuadir a propagação e o uso de armas químicas mortais", afirmou o presidente durante um encontro com o homólogo chinês, Xi Jinping, em seu resort de Mar-a-Lago, na Flórida. "Nesta noite, apelo a todas as nações civilizadas para que se juntem a nós na busca para acabar com o massacre e o derramamento de sangue na Síria, e também para acabar com o terrorismo de todos os tipos e de todos os tipos".
Esta é a ação militar mais dura do governo Trump, vindo após uma serie de consultas com congressistas em privado. O governo de Barack Obama havia ameaçado rebater Assad militarmente após outros episódios de ataques químicos atribuídos ao regime, mas nunca concretizou as declarações.
A Rússia, que apoia Assad, foi avisada do ataque. Segundo o Pentágono, os russos receberam a advertência para que soldados que pudessem estar em Ash Sha'irat saíssem do local.
"A agressão americana atingiu alvos militares sírios", mostrou uma chamada da TV estatal síria durante a madrugada.
Horas antes, a Rússia advertiu os Estados Unidos que o país poderia ter "consequências negativas" se lançar uma ação militar contra a Síria, após uma reunião do Conselho de Segurança da ONU.
"Se houver uma ação militar, toda a responsabilidade recairá sobre os que tiverem iniciado uma empreitada tão trágica e duvidosa", declarou o embaixador russo na ONU, Vladimir Safronkov, na saída da reunião.
Mas o secretário de Estado dos EUA, Rex Tillerson, foi além:
"Moscou foi ou complacente ou incompetente em lidar com os sírios".
ARTIGO
A QUESTÃO É: O QUE VEM DEPOIS?
Para o presidente Trump, escolher alvos e disparar mísseis para punir o regime sírio por usar armas químicas pode ter sido uma decisão relativamente fácil. O grande problema é o que vem depois disso. A grande diferença entre 2013, quando o então presidente Barack Obama ameaçou realizar ataques aéreos contra Assad, e hoje é que que os riscos de ampliar o conflito são muito maiores.
Trump e seus comandantes militares lidam com a presença de tropas russas no campo de batalha e com sistemas de defesa aérea capazes de derrubar aviões americanos. Hoje, tropas russas estão misturadas às forças sírias, e qualquer ataque a um alvo militar sírio pode produzir baixas entre os russos.
"É muito mais difícil agora", afirma o general reformado John Allen, que coordenou a campanha contra o Estado Islâmico no Iraque e na Síria, durante o governo Obama. "Os EUA devem se perguntar: estamos enraivecidos moralmente a ponto de agir mesmo com possibilidade de baixas russas?"
Outras grandes preocupações são que os sistemas de defesa aérea síria e russa não atacaram aviões americanos porque a Força Aérea dos Estados Unidos estava concentrada em combater o Estado Islâmico, um inimigo comum dos Estados Unidos e do regime sírio.
"Tanto os sírios quanto os russos podem se tornar problemas ", diz Andrew Exum, ex-alto funcionário de Defesa do governo Obama. "Se você lançar um ataque contra o regime, eles teriam todas as justificativas para começar a alvejar aviões da coalizão".
Segundo Exum, tais ações poderiam gerar preocupações entre os parceiros da coalizão e afastá-los do combate. Trump poderia minimizar esses riscos, garantindo aos russos que os ataques seriam só uma resposta ao uso de armas químicas por Assad, e não para mudar o rumo da guerra. Os ataques também poderiam dar aos EUA mais influência para chegar a um acordo com os russos que daria fim ao conflito, dizem alguns analistas.
"A mensagem política que um ataque manda é que a abordagem atual é completamente diferente da do governo anterior ", diz Andrew Tabler, do Washington Institute, destacando que tal manobra provavelmente aumentaria a ansiedade do regime, de um modo que os EUA poderiam usar a seu favor.