22/08/2023




Guarapuava

Entre rosas e preces – parte I

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“Não pretendas que as coisas sejam como as deseja. Deseje-as como elas são”. (Epíteto)

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Certa feita havia escrito uma mísera missiva sobre um dos Mistérios do Santo Rosário. O texto em questão era a escrevinhação onde procurava refletir sobre um dos mistérios dolorosos. Agora, pretendo ser um pouco mais petulante.

Mesmo não sendo digno de abordar publicamente um tema tão sublime, como os mistérios do Santo Rosário, procurarei, dentro de minhas limitações, externar na forma de palavras impressas em turvas páginas algumas reflexões advindas do âmago desse ignóbil ser que sou quando, solitariamente, medito sobre os mesmos que alumiam nossas vidas com o vivificante brilho da Verdade.

O primeiro mistério, de alegria, conhecido de todos nós, é a anunciação do arcanjo São Gabriel a Nossa Senhora (Lc I, 26-38). O primeiro ponto que nos chama a atenção é a presença do ser angelical. Nas sociedades tradicionais, a presença de tais criaturas sempre é visto como um acontecimento de grande importância, uma grande honra, porém, no caso da Santíssima Virgem, temos um detalhe a mais. Quando o Arcanjo se apresenta para a Virgem, esse diz: AVE! GRATIA PLENA.

Muito bem, mas qual a importância dessas palavras? Em várias ocasiões os anjos se manifestaram aos homens, porém, em todas essas ocasiões eram os homens que rendiam reverência aos anjos e não estes aos homens, porque os anjos são seres celestes e estão acima de nós, como nos ensina São Tomás de Aquino em seus sermões sobre a AVE MARIA. Entretanto, quando São Gabriel surge diante da Virgem Santíssima, este é quem faz as reverências para a única criatura humana que foi maior que os anjos em plenitude de graça e por sua dignidade. Por isso, repetimos incansavelmente AVE MARIA, GRATIA PLENA DOMINUS TECUM.

Na figura da Virgem vemos claramente o exemplo da humildade diante de Deus, da aceitação da vontade Dele, da verdade que se faz realizar na vida para que ela, a Vida, possa ser plena e verdadeira.

Sobre esse ponto, São Luiz Maria Grignion de Montfort, em seu TRATADO DA VERDADEIRA DEVOÇÃO À SANTÍSSIMA VIRGEM, nos lembra que muitos, antes de Maria, haviam clamado pela vinda do Salvador. Inúmeros Patriarcas, Profetas e Santos da Lei Antiga suspiraram pela vinda Dele e, ao final, foi a prece humilde da serva virtuosa que, por sua vez, foi agraciada, em seu ventre, com a Luz do Mundo.

Doravante, como nos ensina Santo Agostinho, o mundo não era digno de receber o Filho de Deus diretamente das mãos do Pai. O mundo, nós, recebemos a presença de Nosso Senhor através de Maria Santíssima, que é infinitamente mais digna do que todos nós. O mundo, aos olhos de Deus, era impuro de receber o seu Filho Unigênito, porém, aos Seus olhos, Maria é suficientemente pura para poder apresentar-nos o Verbo Encarnado.

E assim o é por sua exemplar humildade. Porém, não entendamos por humildade aquele servilismo jocoso aos ditames do mundo e de suas vilezas, não mesmo. Tornou-se chavão em nossa sociedade crer que humildade é sinônimo de respeito à opinião dos outros e de baixar a cabeça diante de todas as sandices que nos são ditas como se fossem verdades dignas de respeito. Isso não é humildade, é covardia moral.

Humildade, tal qual vemos exemplarmente revelada na vida da Santíssima Virgem, é a total conformação de nosso ser a Vontade de Deus, a total inclinação de nossa alma a aceitar a realização da Verdade em nós, pois Deus é a Verdade e a Vida. O espírito do mundo (as opiniões e tutti quanti) é o engano que acaba nos levando a nos afastarmos da Verdade e, consequentemente, da Vida, nos entregando a qualquer engodo que se apresente como substituto a Ela.

E mais! Deus é a Verdade e negar a Verdade é negar a Deus. Valorizar mais o espírito miúdo (nossas opiniões) e o espírito do mundo em detrimento da Verdade que se faz revelar em todos os cantos da vida é negar a Deus, silenciosamente, no íntimo de nossa alma.

Por essa razão que o finado Papa São João Paulo II em suas Encíclicas VERITATIS SPLENDOR e FIDES ET RATIO condenava o relativismo, o ceticismo e o materialismo. Por essa mesma razão que o Pontífice Emérito Bento XVI em suas Encíclicas DEUS CARITAS EST e SPE SALVI nos adverte quanto aos perigos que podem advir dos mesmos males.

Lembramos também que no primeiro mistério do Santo Rosário, temos a apresentação do unguento para as chagas de nossa alma, que é o exemplo virtuoso de nossa Medianeira, exemplo a ser imitado por todos nós. Aliás, como nos lembra a Constituição Dogmática LUMEN GENTIUM, a Virgem “de modo inteiramente singular, pela obediência, fé, esperança e ardente caridade, ela cooperou na obra do Salvador para a restauração da vida sobrenatural das almas”.

Ora, para podermos crescer em dignidade e sapiência é fundamental que tenhamos plena confiança (Fé) na capacidade que Deus nos deu para procurarmos conhecer a Verdade nas suas várias formas de se manifestar a nós.

Conhecendo-a, em uma persistente procura, devemos obedecê-la, pois, como nos ensina o filósofo grego Platão: “Verdade conhecida, Verdade obedecida”. E nesta entrega obediente a Verdade que se apresenta a nós, trabalharmos dia a dia na esperança de que ela nos transforme; nos aprimore e que, neste diuturno trabalho, possamos transbordar caritativamente os frutos que advém da realização desta procura.

Por fim, a humilde serva disse ao anjo (Lc I, 38) “Eis aqui a serva do Senhor. Seja-me feito segundo a tua palavra”. Bem, veja só o quanto estamos distantes do exemplo de Maria, deste unguento para alma.

Enfim, sejamos francos conosco mesmo: quantas e quantas vezes, cada um de nós, estando diante de uma verdade, ao invés de aceitá-la, de curvar o nosso intelecto e nosso ser diante dela, preferimos agarrarmo-nos orgulhosamente a uma de nossas “preciosas” opiniões e gostos? Bem, e são nessas ocasiões, nesses momentos que vaidade e soberba, que nos fechamos para Vontade de Deus.

Exagero de minha parte? Talvez. Mas, me diga uma coisa: se somos incapazes de aceitar pequenas verdades, se somos incapazes de nos inclinar diante de pequenos extratos da realidade, como podemos imaginar que nos curvaremos diante Daquele que É? Pois. Da mesma forma que de conta em conta se reza um Rosário, de engano em engano nos tornamos uma alma obtusa.

[outro dia, quem sabe, continuamos]

Cristina Esteche

Jornalista

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