22/08/2023
Saúde

Reportagem: nova resolução das farmácias começa cercada por indefinições

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Graças a liminares, documento não aplica a todos os estabelecimentos por enquanto

Guarapuava – A Resolução RDC 44/09 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) entrou em vigor no país na quinta-feira (18). O documento, publicado em agosto do ano passado, impõe uma série de exigências ao funcionamento das farmácias, extinguindo a venda de alguns produtos, restringindo a prestação de alguns tipos de serviço e regulamentando outros.

No entanto, a aplicação da resolução sofreu alterações graças a liminares conseguida por entidades ligadas a empresas farmacêuticas, aumentando o debate acerca do documento, que tem colocado frente a frente farmacêuticos, donos de estabelecimentos e sindicatos.

A resolução

A RDC 44/09 regulamenta o comércio de medicamentos e a prestação de serviços nos estabelecimentos farmacêuticos. Com isso fica proibida a venda de produtos alimentícios como refrigerantes, bolachas, sorvetes, entre outros, além do pagamento de contas e a utilização de caixas eletrônicos (confira mais informações abaixo).

“Esta resolução visa acabar com o mercantilismo que tomou conta das farmácias, restabelecendo as mesmas como locais voltados à saúde”, afirma o membro do Conselho Regional de Farmácia (CRF-PR), Roberto Amatuzzi Franco. No entanto, liminares conseguidas por associações como Abcfarma e Abrafarma tornaram inválidos alguns artigos da resolução até julgamento posterior.

“É importante destacar que essas liminares valem apenas para alguns itens da resolução e protegem somente as farmácias que fazem parte das associações que conseguiram esse direito”, explica Franco. Assim, os estabelecimentos membros da Abcfarma e da Abrafarma não são obrigados, momentaneamente, a cumprir parte da resolução referente às Instruções Normativas (IN) nº. 9 e 10, que dizem respeito à venda de produtos alheios a saúde e a exposição de medicamentos isentos de prescrição.

Em Curitiba, as farmácias ganharam o prazo extra de um mês para se adequarem à resolução. A decisão foi tomada com base em audiências públicas realizadas com a participação de representantes das farmácias e da Vigilância Sanitária Municipal. Até o fim do prazo, as farmácias serão orientadas sobre as novas normas.

O CRF-PR

Desde o início do debate, o CRF-PR, órgão que representa os farmacêuticos, se posicionou a favor da medida da Anvisa. “Esse comércio de alimentos e outros produtos pode parecer lucrativo, mas abre um precedente perigoso. Assim como as farmácias vendem alimentos, os mercados podem pleitear o comércio de medicamentos também”, argumenta Franco.

O farmacêutico/bioquímico chama a atenção para alguns itens da resolução, que segundo ele tem recebido pouco destaque da imprensa. “A RDC 44/09 regulamenta a prestação de serviços farmacêuticos como medição de pressão e temperatura, inalação, aplicação de medicamentos injetáveis, fracionamento de remédios e colocação de brincos, entre outros”, comenta Franco. Ele acrescenta ainda que o estabelecimento é obrigado a emitir uma declaração informando o serviço prestado e se responsabilizando pelo mesmo. O documento funciona como uma garantia do consumidor.

Segundo Franco, no Paraná não acontecerão grandes mudanças já que existem duas resoluções estaduais emitidas entre 1996 e 1997 que limitam as atividades nas farmácias como, por exemplo, a separação entre alimentos e medicamentos.

O Sindicato Varejista

Diferentemente do CRF-PR, o Sindicato do Comércio Varejista de Produtos Farmacêutico tem se posicionado radicalmente contra a resolução da Anvisa. “A RDC 44/09 serve apenas para conturbar a vida das farmácias, que sofreram bastante com a crise econômica mundial ocorrida recentemente”, afirma o presidente do sindicato de Londrina, Jéferson Proença Testa.

Ele argumenta que a decisão ocasionará perda no faturamento dos estabelecimentos e desemprego. “Acho que a Anvisa deveria se preocupar em fiscalizar a venda ilegal de medicamentos realizada em camelódromos, já que hoje o contrabando de remédios é o quarto maior no Brasil, perdendo apenas para eletroeletrônicos, armas e drogas”, protesta.

As farmácias

Nos estabelecimentos também não há consenso. O proprietário de uma farmácia de Guarapuava, Renato Sérgio Loures, aprova a resolução. “Acho que as farmácias devem mesmo retirar os produtos de conveniência dos estabelecimentos. Manter esses itens nas farmácias não faz muito sentido. Nós só deixamos esses produtos comestíveis aqui por causa da concorrência”, comenta. Ele destaca ainda que a comercialização de alimentos na farmácia dele representa apenas 5% das vendas. “Atualmente estamos evitando comprar esses produtos, vendendo apenas os que já estão em estoque”, explica.

Já o farmacêutico Aldney Nunes dos Reis (foto), funcionário de outro estabelecimento, considera exagerada a proibição da venda de qualquer tipo de produto que não seja voltado à área de saúde. “A comercialização desses itens oferece uma opção a mais às farmácias. Este ramo emprega muita gente, uma decisão dessas não pode ser tão radical”, opina. “Mas é claro que algumas farmácias extrapolam, vendendo frango assado, carvão e lanches, entre outros, inclusive em Guarapuava”, pondera. Ele acrescenta ainda que a comercialização de alimentos no estabelecimento em que ele trabalha fica em torno de 10%.

A Vigilância Sanitária

Através de sua assessoria de imprensa, o escritório da Anvisa de Curitiba informa que a fiscalização cabe aos municípios. Em Guarapuava, o diretor do Departamento de Vigilância em Saúde, Fernando Pedrotti, destaca que o trabalho de fiscalização depende da decisão judicial.

“Com essas liminares, estamos na dependência do julgamento do mérito para sabermos como agir. Por enquanto, não é possível dizer como vai funcionar a fiscalização”, explica. E o impasse segue sem data para terminar, já que não existe um prazo para a justiça decidir a questão de forma definitiva.

A RDC 44/09

– Somente produtos relacionados à saúde poderão ser comercializados em farmácias e drogarias. A lista inclui plantas medicinais, cosméticos, produtos de higiene pessoal, produto de saúde para uso por leigo e algumas categorias;
– Regulamenta serviços farmacêuticos como colocação de brincos, aferição de pressão, teste de glicemia, inalação, entre outros;
– Somente farmácias e drogarias abertas ao público, com farmacêutico responsável presente durante todo o horário de funcionamento, podem realizar a dispensação de medicamentos solicitados por meio remoto, como telefone, fac-símile (fax) e internet, ficando vedada a comercialização de medicamentos sujeitos a controle especial solicitados por meio remoto;
– Os medicamentos deverão permanecer em área de circulação restrita aos funcionários, não sendo permitida sua exposição direta ao alcance dos usuários do estabelecimento. (Fonte: Anvisa)

Cleyton Lutz – Rede Sul de Notícias

Foto: divulgação

Cristina Esteche

Jornalista

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