22/08/2023
Política

Vereadores fecham os olhos e votam dívida de R$ 11,4 milhões

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Guarapuava – A maioria que dá sustentação ao prefeito Fernando Ribas Carli na Câmara Municipal aprovou, sem nenhuma discussão, a lei complementar que autoriza a Prefeitura a contrair uma dívida no valor de R$ 11,4 milhões junto a Agência de Fomento do Paraná, programa do governador Roberto Requião. A votação final aconteceu na quarta-feira 3, e o prefeito não repassou nenhuma informação ou justificativa detalhando o projeto de lei complementar.
Num protesto isolado, o vereador do PT, Antenor Gomes de Lima, disse que a mensagem do prefeito não informa o valor dos juros que serão cobrados, nem o número de prestações. Ele e os vereadores Nélio Gomes da Costa (PSDB), Eva Schran (PHS) e Thiago Cordova (PPS) foram os únicos a se insurgir contra o “cheque em branco”, como passou a ser denominado o projeto, já que autoriza uma despesa de grandes proporções, com endividamento de longo prazo, sem fazer qualquer consulta prévia à população ou a seus representantes legislativos.
A atitude patrocinada pelo prefeito Carli junto aos vereadores abre uma nova temporada na Câmara Municipal de Guarapuava. Desde o final do ano passado, depois que quatro vereadores passaram para o lado do prefeito, medidas consideradas anti-populares passaram a ser rotina nas votações do Legislativo, sendo votadas sem discussões prévias.
Até agora, a mais emblemática de todas tinha sido a aprovação do aumento abusivo na taxa de lixo, que causou uma grande reação contrária na população. A cobrança gerou protestos públicos, um abaixo-assinado ao Ministério Público e deixou os vereadores pró-Carli numa “saia-justa”, pois não esperavam que a repercussão na opinião pública fosse tão negativa.
Agora, o prefeito retoma a linha do ataque e faz o que no linguajar político se chama de “risco medido”. Ou seja: é preferível suportar a bateria de críticas, mas ter o “objeto do desejo” nas mãos, para fazer o que se pretende fazer. Neste caso, o objetivo desejado é nada mais, nada menos, do que quase R$ 12 milhões em recursos, em pleno ano eleitoral. O risco já foi medido, pois, certo de que teria vereadores suficientes para aprovar o projeto, simplesmente determinou a estes vereadores que votassem, e ponto final.
Além de assegurar a votação do “cheque em branco” com “boca fechada” e “olhos vendados”, Carli também se encarregou de abrir uma bateria em direção aos vereadores que votaram contra o projeto da dívida. Para isso, ele acionou a Rádio 92 FM, de sua propriedade, que se dedica a falar mal de seus adversários e a tecer elogios em tom momesco à Administração Municipal.
Do ponto de vista filosófico, não há o que justifique a repentina mudança de lado dos vereadores. Pelo contrário. Há uma flagrante incoerência, pois tão logo passaram para o outro lado, esses vereadores trataram de aprovar as contas do prefeito que eles mesmos haviam rejeitado.
Sob a ótica da sociologia, trata-se, com evidência estonteante, de uma “compra de consciência”. E isto fica mais caracterizado ainda, na medida em que os vereadores seguem, cegamente, uma ordem do prefeito, sem questioná-la, sem discuti-la, cometendo um atentado contra a sagrada autonomia do Poder Legislativo. Imagine-se, pois, se Carli exercesse idêntico poder sobre o Judiciário.
Em outra análise, os vereadores alegariam que estão votando a favor do prefeito para assegurar a “governabilidade”. Mas, aí caberia perguntar: que governabilidade é essa que não respeita o direito à informação? Veja-se, como exemplo, a proposta do governador Roberto Requião, relativa ao mínimo regional: o projeto é de autoria do Executivo Estadual, mas, por decisão do líder do governo, a Assembléia Legislativa vai realizar cinco audiências públicas para discutir, em todo o Estado, se a matéria merece aprovação.
Do ponto de vista legal, bastaria que os deputados debatessem internamente e votassem. No que tange ao projeto do prefeito Fernando Ribas Carli, nem a independência da Câmara Municipal de Guarapuava foi respeitada, a exemplo do que já ocorrera na votação da taxa do lixo e da aprovação das contas do prefeito, antes reprovadas.
O resultado é o seguinte: o prefeito Fernando Ribas Carli está contraindo uma dívida vultosa, em pleno ano eleitoral, que será descontada automaticamente do repasse de recursos federais, como o Fundo de Participação dos Municípios, desviando dinheiro que seria investido em outras áreas, como a saúde e educação. O mais provável é que essa dívida seja paga pelos próximos prefeitos.
Carli consegue o aval da Câmara dias depois de ter ido à presença dos vereadores e anunciado que a Prefeitura encerrou o ano com R$ 20 milhões em caixa. Só isso seria suficiente para demonstrar, contabilmente, que o empréstimo é totalmente desnecessário, ainda mais porque não se trata de um investimento a fundo perdido, e sim o endividamento do erário municipal por longos anos, período em que Carli já estará fora da Prefeitura e o ano eleitoral de 2010 será apenas uma lembrança.
Se a sociedade vai conseguir reagir, da mesma maneira que fez contra o aumento da taxa de lixo, é o que vamos assistir daqui para frente.
Foto: Carli na primeira sessão da câmara de 2010 (Nagel Coelho/Rede Sul)

Cristina Esteche

Jornalista

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