Não está claro, mas ao que tudo indica, a crise não está mais nas mãos de quem acredita que nos governa pelo simples motivo de que há uma ingovernabilidade visível. Existem homens e mulheres no governo brasileiro que agem apenas para suas sobrevivências. Sem governabilidade, deveríamos nos comportar também como ingovernáveis. O problema reside no fato de que a grande maioria ainda age como se estas pessoas que estão em Brasília, detentora de cargos públicos, estivessem governando.
Estamos empobrecidos e nosso empobrecimento não é só econômico. Trata-se de empobrecimento de percepção. Estamos gradativamente perdendo nossa sensibilidade de perceber o óbvio, ou seja, nada acontece quando aqueles que deveriam fazer não fazem e tentam impedir que outros que queiram fazer façam. Estamos em choque com o que estamos vendo e ouvindo dessa classe dominante. O choque nos paralisa. Trata-se de uma perplexidade, uma incompreensão do que está acontecendo. Não tenho claro o que nos resta ainda.
Outro dia um aluno perguntou-me sobre meu parecer acerca de nosso futuro. Respondi com calma que quando consideramos nossa vida, não é o que vivemos ou o que não vivemos o que é mais importante, mas sim o que resta dela. Se não nos mexermos estruturalmente, não teremos amanhã. Sem esquecer o que aconteceu (nosso passado) e sem desconsiderar o presente, precisamos fazer algo para que no amanhã não sintamos o que estamos sentindo hoje, a saber: impotência.
Vejo o brasileiro destituído de vontade. Vejo o brasileiro ao estilo do que escreveu Nietzsche: “um ressentido que não afirma sua vontade, que não consegue valer seus desejos, que não luta pelos seus sonhos”.
O que nos resta? O que podemos fazer diante do quadro catastrófico em que nos encontramos? Se não nos libertarmos deste choque e sair do imobilismo que nos aprisiona, o mais sensato é ser ingovernável, dizer não, não avalizar ou emprestar a assinatura para o que fazem. Não subestimamos a situação, os atuais detentores do poder agem como se não existíssemos. Se tudo continuar como está, precisamos fazer a mesma coisa que eles estão fazendo, agir e produzir como se não existissem.
É somente no ingovernável, no inoperoso, portanto, do ponto de vista ético, que a vida em seu sentido mais claro pode se dar. Nossa vida está nua neste momento.
Não podemos esquecer que grandes revoluções sempre começaram com três letras, com a minúscula palavra “não”. No fundo o grande gesto político e transcendental da negação foi a base de grandes transformações. Precisamos contrariar o diagnóstico de Sérgio Buarque de Holanda sobre os brasileiros e afirmar que não somos cordiais e passivos quando o assunto diz respeito às nossas vidas e ao nosso futuro.