Por Itamar Mello, do GZH
Brasília – A doação de sangue por homossexuais, um tema que contrapõe autoridades da área da saúde e integrantes de movimentos LGBT, deve ser avaliada nesta semana pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A agenda de quinta feira (19) da corte prevê que os ministros se pronunciem sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5543, que propõe uma alteração nas regras atualmente em vigor, impeditivas da doação.
Conforme normas do Ministério da Saúde e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), são considerados inaptos para fornecer sangue “homens que tiveram relações sexuais com outros homens e/ou as parceiras sexuais destes”, por um período de 12 meses a partir da relação. Os órgãos de saúde justificam que a restrição está baseada em dados epidemiológicos.
Para amparar sua posição, a Anvisa tem citado documentos da Organização Mundial da Saúde (OMS) segundo os quais a prática de sexo entre homens aumenta em 19,3 vezes a probabilidade de infecção por HIV, na comparação com homens na população em geral. De acordo com as estatísticas citadas pela agência, de 0,4% a 0,7% dos brasileiros vivem com HIV. Entre homens que fazem sexo com homens, o índice sobe para 10,5%.
Em posicionamento enviado, a Anvisa afirma que o intuito das regras atuais “é assegurar a proteção do doador e do receptor, bem como segurança e qualidade dos produtos biológicos originados do sangue” e que “não existe o direito de doar sangue”, mas sim de se “candidatar a ser um doador”. Por isso, “são considerados inaptos temporariamente os indivíduos que realizaram prática sexual de risco”, o que inclui “as pessoas do sexo masculino que mantiveram relações sexuais com outros indivíduos do mesmo sexo, bem como as parceiras sexuais destes”, “até que novos estudos científicos provem o contrário”.
Esse posicionamento, que é seguido em outros países, gera contestação entre grupos de defesa dos direitos dos homossexuais. Em 2016, quando um atentado deixou 50 mortos e 53 feridos em uma boate gay da Flórida (EUA), houve mobilização entre os homossexuais norte-americanos, confrontados com a angústia de não poder doar sangue, apesar de haver dezenas de vítimas à espera de uma transfusão. No Brasil, a bandeira também tem sido levantada. Claudia Penalvo, coordenadora técnica do grupo Somos, defende essa posição:
"Acreditamos que a proibição é discriminatória. Nem todos os gays, travestis ou lésbicas são pessoas que não se cuidam. Ao mesmo tempo, há héteros que não se cuidam. Existe tecnologia para detectar se a pessoa que vai doar tem HIV ou não. Por que não usam?"
ESTIMA-SE QUE 19 MILHÕES DE LITROS DEIXAM DE SER DOADOS
Uma campanha pioneira exigindo igualdade de critérios para os doadores foi lançada há sete anos pelo grupo LGBT Estruturação. Welton Trindade, integrante do grupo, disse em entrevista à época da apresentação da ADI, que “se é preciso discriminar para ter segurança sobre o sangue doado, então desconfiando dos próprios métodos de triagem”.
"Triagem é avaliar: fez sexo sem proteção? Se fez, não pode doar. Não interessa a orientação sexual. Hoje, um hétero pode sair do motel e ir direto doar sangue. O homossexual precisa ficar um ano sem fazer sexo".
A ADI 5543 foi protocolada em junho do ano passado, pelo PSB. Na peça, argumenta-se que há escassez nos bancos de sangue brasileiros, que se estimam 19 milhões de litros o sangue que deixa de ser doado e que as normas atuais seriam inconstitucionais por violar a dignidade da pessoa humana, o direito à igualdade e o objetivo republicano de promover o bem de todos sem preconceito. O relator do caso, ministro Edson Fachin, decidiu acelerar a tramitação. Em seu despacho, afirmou que “muito sangue tem sido derramado em nosso país em nome de preconceitos que não se sustentam, a impor a célere e definitiva análise da questão por esta Suprema Corte”.