22/08/2023


Brasil Geral

O retrato do Brasil que salva corruptos e pune a sociedade

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Por Ana Beatriz Rosa, do HuffPost Brasil

Rio de Janeiro – Há pouco mais de um ano e cinco meses, em 17 de junho de 2016, o então governador em exercício do Rio de Janeiro, Francisco Dornelles, declarava oficialmente a pior crise já vivida pelo estado. Em um decreto de poucas linhas, Dornelles admitiu que o Rio não tinha condições de arcar com suas responsabilidades mais básicas e que temia um "total colapso na segurança pública, na saúde, na educação, na mobilidade e na gestão ambiental".

Na última sexta (17), esse colapso atingiu seu limite. A Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) decidiu, por 39 votos a 19 votos, libertar os deputados estaduais Jorge Picciani, Edson Albertassi e Paulo Melo, todos do PMDB, investigados pela operação Cadeia Velha por corrupção, associação criminosa, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. A decisão da Casa reverbera que a crise do Rio não é um espelho apenas da falência do Estado frente à corrupção, mas também mostra a insuficiência da política brasileira em superar as relações promíscuas entre seus representantes.

Para além dos muros do salão onde acontecia a votação, nas galerias do Palácio Tiradentes, um grupo de mil manifestantes composto em sua grande maioria por servidores, professores e estudantes protestava contra a decisão da Assembléia. Amparados por uma decisão judicial, tentaram entrar nas galerias da Alerj. Mas foram impedidos pela repressão policial, com direito a balas de borracha, bombas de gás lacrimogênio e tropas de choque.

Em meio à confusão, a servidora pública Valdinea Cavalcante, do Tribunal de Justiça do Rio, foi atingida no rosto, próxima ao olho, por uma bomba e teve seu corpo ensanguentado. Não fosse a solidariedade dos colegas presentes em ajudá-la diante de seus ferimentos, a servidora, vestida de luto, deixaria a região do confronto sem perspectivas de socorro.

O desespero de servidores como Valdinea vem se tornando mais agudo ao longo dos últimos dois anos. Desde os meses finais de 2015 já havia atrasos nos pagamentos de funcionários públicos, com a estratégia de parcelamento dos salários. Mais tarde, ordens judiciais bloquearam as contas do Executivo e impediram qualquer quitação de dívidas. O resultado? Mais de 100 mil funcionários continuavam sem receber até outubro de 2017.

De um lado a falência da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) e a suspensão de curso e pesquisas; a deterioração dos hospitais estaduais e o fim dos contratos com médicos; o sucateamento da segurança pública, a falência das UPPs e o agravamento da situação com a morte de um policial a cada 48 horas apenas neste ano.

De outro, políticas de recuperação fiscal foram o pontapé para as medidas de enxugamento de gastos públicos e a retirada de direitos sociais. Os planos dos deputados cariocas de "enxugar a sangria" chegaram a mobilizar diversas manifestações no epicentro da Alerj, mas alguns dos pacotes foram aprovados e o Rio passou a ter ajuda do Governo Federal.

Enquanto isso, longe de uma recuperação plena das finanças do estado, a corrupção generalizada das administrações cariocas levaram à prisão dos ex-governadores Sergio Cabral e Anthony Garotinho, além de ex-secretários e conselheiros do Tribunal de Contas. Só da propina recebida por Cabral, por exemplo, a Polícia Federal estima um prejuízo de mais de R$ 220 milhões para o estado.

A liberação de Picciani, Albertassi e Paulo Melo pelos deputados da Alerj já está sendo questionada no STF (Superior Tribunal Federal).

Porém, o imbróglio da política no país é tão estrutural que os próprios deputados estaduais justificaram seus votos tendo como base a decisão da Corte no julgamento do caso do senador Aécio Neves (PSDB-MG).

Do Rio a Brasília, a política nacional escancara sua desmoralização. Deputados salvam deputados, protegem seus amigos e bandos. Enquanto isso, o que sobra para brasileiros como Valdinea é ora a indiferença, ora a violência.

Cristina Esteche

Jornalista

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