Em uma área isolada de Caatinga entre o Piauí e o Ceará, um grupo de quatro cientistas sai à noite para longas caminhadas, acompanhado de cães farejadores e moradores locais. São necessárias 12 madrugadas de buscas para encontrar cinco tatus-bolas – que têm o habitat analisado, as medidas tiradas e as amostras de sangue, recolhidas naquela que é uma das principais expedições do tipo já realizadas.
A experiência descrita acima foi uma das raras oportunidades de estudar uma espécie que existe apenas no Brasil e que, apesar de ser simbólica – a ponto de ter sido escolhida como mascote da Copa do Mundo de 2014 -, é muito pouco conhecida pelos cientistas, que correm contra o tempo para evitar que ela seja extinta.
Não há números precisos sobre a quantidade de tatus-bolas (Tolypeutes tricinctus) restante na Caatinga brasileira, seu habitat nativo, mas há estimativas de que ela esteja reduzida a menos de 1% de sua população original. E os temores são de que o animal possa ser extinto nos próximos 50 anos.
“É uma espécie ameaçada pelo desmatamento da Caatinga para a agropecuária e porque é muito caçada. O tatu-bola fornece quase 1,5 kg de proteína animal em uma área muito pobre”, explica à BBC Brasil Flavia Miranda, coordenadora-técnica do Programa de Conservação do Tatu-bola, iniciado há dois anos pela ONG Associação Caatinga, com financiamento privado da Fundação Grupo Boticário.
Agora, a expectativa é de que a criação de uma unidade de conservação ambiental no município de Buriti dos Montes, no leste do Piauí, auxilie as pesquisas sobre o mamífero ao criar uma área protegida para essa e outras espécies.
Trata-se do Parque Estadual do Cânion do Rio Poti, área de 24 mil hectares (maior que o Estado de Sergipe) implementada pelo governo piauiense em outubro passado, com base em projetos de preservação de pinturas rupestres existentes em sítios arqueológicos no local e também da conservação do tatu-bola e de nascentes de rios.
É ali que os pesquisadores da Associação Caatinga esperam encontrar mais espécimes do tatu-bola em sua próxima expedição, planejada para o semestre que vem.
“É um animal ainda muito misterioso”, aponta Miranda. “Conheço no máximo dois ou três estudos em andamento sobre ele. É muito difícil encontrá-lo, porque a Caatinga é um ambiente quente, árido, sem água. E ele costuma sair à noite, provavelmente por causa da temperatura. Também é um ambiente menos glamouroso (do que outras áreas mais estudadas, como a Amazônia), assim como o próprio tatu-bola.”
O que se sabe é que a espécie existe há cerca de 50 milhões de anos e tem importante função ecológica: como animal cavador, ajuda a remexer o solo e fertilizá-lo, além de ser predador de insetos. “Também é uma importante presa, servindo de alimento para animais maiores”, diz Miranda.
O tatu-bola se destaca sobretudo por seu formato peculiar: diante da ameaça de predadores, ele enrola seu corpo e fica protegido por seu casulo. É a única espécie mamífera com essa característica.
“É justamente isso o que leva ao seu declínio. Ele fica supervulnerável à ação humana”, explica a pesquisadora.
Hoje, o tatu-bola é citado como “vulnerável” na lista de espécies mais ameaçadas do planeta, segundo compilação da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês).
Por isso, o plano de conservação do animal, feito em 2014 pelo Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio, ligado ao governo federal), inclui ainda a fiscalização e a aproximação com a comunidade local, para desencorajar a caça do animal. A longo prazo, espera-se que a criação do parque estadual também estimule o ecoturismo e traga novas fontes de renda a essa população.
O plano do ICMBio aponta que a escassez de informações disponíveis sobre o tatu-bola “dificulta as estratégias de conservação”, mas reitera que a espécie vive “constantes pressões no ambiente que habita, ameaçando sua sobrevivência”.