22/08/2023
Cotidiano

Xarquinho: O rio é divisor de contrastes

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Da redação – Quem passa pela rodovia PR 466 chegando em Guarapuava pode ver do lado direito da estrada um aglomerado de casas que se estende em toda a sua extensão e chega até às margens da BR-277.
A fumaça que sai das chaminés das casas foi o convite para ver de perto como vivem essas pessoas, em que condições se encontra um dos bairros mais populosos da cidade.
Entrando pela BR-277 o caminho, em pouquíssimos minutos, leva ao Distrito Industrial Guaratu, local onde estão sediadas 18 empresas. Nesse entorno, as ruas são pavimentadas.
Bairro a dentro o que chama a atenção é a obra que vai abrigar o novo empreendimento do Grupo Repinho, que deverá entrar em operação já em julho deste ano. Voltada para o setor moveleiro e fabricação de pisos de madeira, a produção vai atender o mercado nacional e internacional. “Vamos produzir inicialmente 4 mil metros cúbicos de chapas revestidas para a fabricação de móveis e gerar 160 empregos diretos e indiretos na fase de implantação”, anuncia o diretor comercial do Grupo Repinho, Joary Martins. Aliás, é essa empresa que absorve o maior contingente de mão-de-obra do distrito, que se estende até os três núcleos e as vilas que compõem o Bairro Xarquinho.
Caminhando um pouco é possível ver crianças brincando num parque infantil instalado no pátio da sede do programa que atende o público infantil. São 200 crianças, das quais 10% são filhos de funcionários da empresa e os outros 90% da comunidade. O mesmo atendimento, no contra-turno escolar, é destinado a adolescentes entre 13 e 18 anos. “Atendemos 400 adolescentes”, diz Joary. À noite os adultos retornam às aulas nas aulas do Ceebeja – Centro Estadual de Educação Básica p/ Jovens e Adultos. São 160 alunos distribuídos em cinco turnos. A empresa doa a estrutura e o material e a Prefeitura cede os profissionais.
Continuando a caminhada se chega ao Rio Xarquinho. Literalmente, um divisor de águas. Na rua Dourados, uma espécie de avenida que leva à Escola Total, caminhões da Surg descarregam equipamentos, e trabalhadores executam a sinalização vertical da rua. Só é possível trafegar a 60 quilômetros/hora, pois a pintura ainda fresca indica que logo adiante há uma escola.
Nos dois lados da avenida a paisagem que se vê é bem diferente daquela com indústrias, crianças brincando, ruas pavimentadas recentemente e placas da Prefeitura anunciando as obras.
Num pedaço de terreno três troncos de árvores servem como trave de futebol num campo improvisado, entre matagal e lixo. Casas simples abrigam famílias que buscam a sobrevivência catando lixo reciclável pelas ruas do centro da cidade. Material que se acumula nos pátios e que na terça-feira (5) foram trocados por comida no caminhão do programa federal Eco-Feira que estava no bairro.
“Aqui não temos nada, a não ser a Escola Total que tá pronta há muito tempo e que ainda não está funcionando”, afirma Valdecir da Silva, morador no Xarquinho há 10 anos. “Aqui falta esgoto, falta remédio no postinho (de saúde). O médico que atende é um sonso, mas como não tem outro, dependemos desse que tá aí”, reclama João Prestes.

Majestosa, Escola Total impera em meio à miséria
A Escola Total, projeto que foi um dos carros-chefe da campanha do prefeito Fernando Ribas Carli à reeleição, surge impávida e majestosa em meio a casebres que “serpenteiam” a “invasão” – denominação dada à ocupação irregular de áreas no entorno da escola. Três casinhas construídas pela Caixa Econômica Federal “enchem os olhos” dos moradores que sonham com a casa própria, mas não passa disso.
“Já faz anos que estão prometendo casa para a gente, até fizemos cadastro na Prefeitura, mas até agora o prefeito só promete e não cumpre nada”, diz dona Linei Aparecida de Campos, que mora na “ocupação” há seis anos. “Até mostraram as casinhas na televisão pra gente lá na Prefeitura e a gente saiu de lá sonhando. Até parece que o prefeito só gosta de fazer a gente sonhar”, comenta Orivaldo Farias do Carmo.
Sem emprego, a maioria das famílias busca fugir da miséria e da fome catando batata ou lixo reciclável. “São empregos temporários, mas como a gente tá aqui esquecida, se vira como pode”, lamenta Linei. Mesmo assim, a esperança de um vida melhor para os filhos é evidente em meio à condição de miserabilidade das famílias.
“Pelo menos essa escola aí vai servir para os nossos filhos. A gente já fez a matrícula das crianças, mas a escola continua fechada. Prometeram que vão inaugura depois julho. De certo por causa da eleição”, intervém a catadora de batata Sirlei de Oliveira, que ocupa um dos mais de 150 casebres.
Embora já esteja pronta e seja possível ver o entra e sai de funcionários da Prefeitura, a Escola Total do Xarquinho já está sendo alvo de vândalos. O parque infantil construído em frente à escola já está depredado. Não há mais balanços, um dos brinquedos foi arrancado e o local se transformou em ponto de encontro de desocupados. “Aqui tem muitas pessoas idosas que não conseguem dormir por causa da bagunça. É muita bebedeira e outras coisas”, reclama Dona Sebastiana Vargas Ferreira.
“Quem faz essa quebradeira aí na pracinha são os Bira”, diz um menino que se pendura nas barras que um dia deram sustentação aos balanços.

“Coisa boa? A Cooperativa das Costureiras”
Continuando o trajeto, logo após a maior área de ocupação no Xarquinho a rua, agora sem pavimentação ou cascalho, ladeada por terrenos baldios, leva até três núcleos habitacionais: Boa Vista, João de Barro e Sol Poente.
“Coisa boa no bairro? Só tem a nossa cooperativa”, responde Simone de Oliveira, uma das costureiras da Cooperativa recém-fundada a partir de projeto do programa Universidade Sem Fronteiras, do Governo do Estado, em parceria com a Unicentro.
A cooperativa funciona numa sala cedida pelo vereador Sadi Federle, e é presidida por Rosinha Castro. “A gente começou o projeto junto com a associação de moradores e como não deu certo procuramos a Unicentro. Hoje estamos aqui em plena produção”, dia a presidente.
O presidente da Associação de Moradores foi procurado, mas não foi encontrado.
As costureiras confeccionam roupas de cama, mesa e banho, uniformes profissionais e escolares. “Fazemos de tudo, até crochê e tricô”, diz Simone.
“O que a gente tem de bom aqui, além da nossa cooperativa, é a ginástica para mulheres no Espaço do Cidadão, mas ainda não começou”, diz Rosinha.
Para chegar até a cooperativa não foi fácil. As ruas esburacadas quase não permitem o tráfego de veículos e dificultam o acesso de pedestres. “Isto aqui está um caos. Na campanha passada jogaram umas pedrinhas e disseram que iam asfaltar, mas até agora nada, reclama dona Maria de Oliveira.
A falta de creche no bairro é um dos assuntos abordados por moradores e já foi tema de discussão por parte do vereador Sadi Federle em tempos passados na Câmara de Vereadores. Ele também levantou o problema de prostituição infantil que ainda é realidade no bairro. “Comentam que todas as noites um carro vem pegar as meninas aqui e levar sei lá para onde”, diz Simone. “São meninas ainda crianças e ninguém faz nada”, reage dona Idalina da Cruz.
O bairro se ressente com a falta de espaços de lazer para os jovens. “Nos finais de semana a juventude se reúne na igreja ou joga bola no Espaço do Cidadão. Fora disso, não há o que fazer”, diz Simone de Oliveira. “Ali embaixo tem a Escola Total, mas pra nós aqui não adianta nada porque é muito longe. Eu optei por não colocar os meus filhos lá”, disse Simone.
Num dos pontos do Xarquinho, como o próprio sugere (charco, ou banhado), moradores sofrem com a invasão de água em tempos de chuva. “A Prefeitura não atende os nossos pedidos para abrir uma valeta aqui no meio. Como se a gente não pagasse imposto e não votasse em Guarapuava”, diz dona Lívia Assunção.

“Se não tiver obras, brigo de novo”, diz Sadi
O aviso está sendo dado pelo vereador Sadi Federle (PSB) ao prefeito Fernando Ribas Carli. Segundo Sadi, o acordo firmado entre ele e o prefeito para que passasse a compor a bancada “carlista” na Câmara foi de que a administração executaria obras no Xarquinho.
Basta andar pelo bairro e conversar com as pessoas para ver que o acordo não está sendo cumprido, fato que acaba penalizando o vereador. “O Sadi só prometeu as coisas e não cumpriu nada. Veja o estado lastimável do nosso bairro. Ele que não apareça aqui pedindo voto que não vai ter”, avisa Joaquim de Souza. A afirmação do morador representa o que pensa a população do bairro a respeito do vereador. E ele sabe muito bem disso. “Não estou podendo aparecer por lá”, diz Sadi.
De acordo com o vereador, a promessa feita pelo prefeito e que “ainda é projeto” prevê o alargamento e a pavimentação da Rua João Keller, principal via de acesso para quem entra pela PR. “Acertamos também a pavimentação das ruas onde o asfalto foi iniciado”, lembra o vereador. “As obras estão sendo feito por partes, mas se não fizerem lá no Xarquinho, brigo de novo”, avisa Sadi.

Matéria publicada originalmente no jornal Tribuna Regional do Centro-Oeste

Cristina Esteche

Jornalista

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