Uma decisão judicial expedida pela juíza da Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Guarapuava, Rafaela Zarpelon, através de um processo do Ministério Público, está tentando diminuir a situação de vulnerabilidade social que crianças e adolescentes indígenas estão submetidos nas ruas do município. A medida exige que a Secretaria de Assistência Social do município e o Conselho Tutelar encaminhem de volta para as aldeias as crianças e adolescentes que forem encontrados em situação de risco nos municípios. A decisão está valendo desde o final de abril.
Com renda oriunda de doações ou da venda de artesanatos, os índios deixam as aldeias e vem para Guarapuava em busca de sobrevivência. Quando se instalam aqui, as crianças e adolescentes entram em situação de risco por não terem um local apropriado para ficar, já que os índios, geralmente, ficam em canteiros espalhados ao redor da cidade.
“A gente detectou que as crianças estavam em uma situação de mendicância. Estavam em risco porque estavam correndo entre os carros, pedindo dinheiro nos sinaleiros, correndo sozinhas pela rodoviária. Houveram circunstâncias de crianças dessas estarem em contato com adultos desconhecidos, estando vulneráveis a sofrer abuso, rapto, sequestro. Muitas ficam no sol, mal alimentadas”, explicou Juliano Marcondes Paganini, promotor da 6ª Promotoria do Ministério Público, com exclusividade ao Portal RSN.
Juliano ressalva que a determinação não tenta coibir a vinda dos índios para o município, porém, avalia a medida como importante do ponto de vista social. Antes do trâmite do processo judicial, o promotor realizou uma série de acompanhamentos no município, juntamente ao representante da Fundação Nacional do Índio (Funai) de Guarapuava, Alvaci Jesus Sales Ribeiro, com o secretário de Assistência Social, Ari Marcos Bona, com caciques de aldeias da região e, também, com o Conselho Tutelar. O Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Estadual, Poder Judiciário e Defensoria Pública também estavam envolvidos nas ações.
“Todos os índios são bem vindos aqui na cidade para vender esses artesanatos. Isso ocorre há muito tempo. Nossa preocupação era apenas sobre como podíamos resolver esta situação”.
A medida assinada pela juíza também determina que, periodicamente, o Conselho Tutelar e a Assistência Social emitam relatório periódicos sobre como está a situação de crianças indígenas no município. A determinação menciona, ainda, que caso uma família tenha uma criança enviada de volta para aldeia e a situação volte a se repetir, os órgãos de apoio devem realizar o acolhimento do menor.
“É importante mencionar que o processo não foi ajuizado contra o Conselho, nem contra o município. Este processo é uma medida protetiva para as crianças. Uma medida de proteção da coletividade das crianças indígenas”, explicou a juíza Rafaela.
ENCAMINHAMENTO E POSSÍVEL SOLUÇÃO
Antes da medida judicial ser assinada, houve uma audiência com os caciques para que os integrantes das aldeias fossem avisados sobre a determinação.
“Nós fizemos, então, uma audiência, em que veio o representante da Funai, os caciques, o pessoal do Conselho e da Assistência. Foi dado um prazo para que eles [caciques] se reunissem com as comunidades indígenas e tomassem providências para evitar que essa situação de risco continuasse”, lembrou a juíza.
De acordo com o secretário de Assistência Social do município, Ari Marcos, desde antes da medida judicial, o município já buscava uma possível solução para o impasse. A situação é mais delicada que o normal devido, principalmente, às diferenças culturais.
“Toda discussão sobre a questão indígena já é muito antiga. Guarapuava é um polo onde converge Cândido de Abreu, Manoel Ribas, Quedas do Iguaçu, Nova laranjeiras, Turvo… Eles vem pra cá, vão para Maringá, Curitiba. São itinerantes e estão por aí em busca da sobrevivência. Eles procuram lugares onde as pessoas comprem o artesanato deles. Esse movimento deles para os centros urbanos se justifica pela necessidade da busca da sobrevivência”.
Entre as medidas que a administração de Guarapuava já tomou para solucionar as necessidades dos índios, duas são mencionadas por Ari. Uma delas adotada antes mesmo dele assumir a pasta, quando Eliane de Carli respondia pelo cargo.
“Na época da Eliane, eles tentaram levar esses índios para pernoitarem na casa Ruan Diego, que é um centro indígena. Porém, é uma casa que também é destinada para retiros, encontros e formação. Pelos costumes, os índios começaram a andar por lá com as crianças, fazendo, inclusive, fogo no chão. Isso começou a gerar um desconforto para a casa de retiro”.
A segunda possível solução veio já na gestão de Bona, com a tentativa de implantação de uma casa abrigo para os índios. O local seria instalado próximo a casa Ruan Diego, dentro do mesmo terreno, porém, em uma área mais afastada. O local pertence à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Regional Sul 2.
“Aí nós começamos uma tratativa com a CNBB, Regional Sul 2. Mandei um ofício solicitando, falando da intenção, solicitando a cedência para criar esse espaço, mas infelizmente a resposta foi negativa. Voltamos à estaca zero”.
Sobre a medida expedida pela juíza Rafaela, Bona fala da intenção de Assistência em prontamente atender à determinação, porém, relembra que existem fatores de execução que estão fora da alçada da secretaria.
“Não podemos coagir ninguém a entrar no veículo arbitrariamente. Sabemos que o município deve pegar um veículo, e devolver eles a aldeia. Só que o problema é fazer com que eles entrem no veículo. Não temos poder de polícia”.