A Invernada Paiol de Telha – Fundão, no município de Reserva do Iguaçu, pode ser a primeira área quilombola a ser titulada no Paraná. Isso porque, no dia 22 de janeiro deste ano, numa iniciativa inédita no Estado, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) obteve a área para titulação de um quilombo.
De acordo com o site Terra de Direitos, a transferência de parte da área hoje pertencente à Cooperativa Agrária Entre Rios, com sede em Guarapuava, foi assinada na sede da Superintendência do Instituto, em Curitiba. O valor pago à Cooperativa por essa transação é de R$ 10,2 milhões. A escritura pública prevê a transferência de 228 hectares para os herdeiros de ex-escravos da fazendeira Balbina de Siqueira. Essa área é parte da fazenda Capão Grande e foi doada a 11 escravos de sua propriedade. Hoje, os herdeiros passam de mil.
Agora, para que o território quilombola seja titulado, basta apenas que a escritura seja encaminhada para transferência da matrícula do imóvel da Agrária para o nome do Incra, que emitirá o título. A expectativa é que esse processo ocorra até fevereiro próximo.
Essa ação coloca um ponto final numa luta que se arrasta por quase três décadas e que envolveu grilagem, expulsões da terra, pressão do poder econômico e até morte em décadas passadas, de acordo com a oralidade dos herdeiros. É a saga da luta fundiária marcada por conflitos que, no caso do Paiol de Telha, levou herdeiros a permanecerem desde 1990 em barracos, às margens da área original, na PR-459, em Reserva do Iguaçu.
Entre tantas idas e vindas, uma ação judicial movida pela Agrária questionava a competência do Incra no processo de titulação. A base foi a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN-3239), ajuizada pelo DEM em 2004, que se contrapôs ao Decreto Federal 4887/2003, considerado constitucional pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) em 2013. Isso permitiu que o Incra avançasse na desapropriação da área por ser área de interesse social.
Em 2017, famílias ocuparam mais 99 hectares da área. Porém, em outubro de 2018, a Cooperativa Agrária moveu recurso para despejar as famílias, alegando o risco de vulnerabilidade econômica. Vale lembrar que a cooperativa possui faturamento anual de cerca de R$ 2,8 bilhões, segundo o Terra de Direitos.
A matéria assinada pela jornalista Franciele Petry Schramm mostra que o recurso foi liminarmente rejeitado pela desembargadora Marga Barth Tessler, do Tribunal Regional da 4ª Região (TRF-4). A desembargadora sustenta a decisão por avaliar que não há riscos em esperar o julgamento final do processo. “Não vislumbro a presença do fundado perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, requisito indispensável à concessão do efeito suspensivo e/ou a antecipação dos efeitos da tutela recursal”, diz um trecho da decisão.
Entretanto, o recurso ainda será julgado pela 3ª Turma do TRF-4. No momento, um possível despejo está suspenso pela Justiça Federal até março de 2019. A luta pela terra de direito não foi nada fácil. Paralelamente, há cerca de 20 anos, 64 famílias foram assentadas numa área na Colônia Socorro, em Entre Rios, onde uma minoria vive até hoje.
Entretanto, com o novo passo dado pelo Incra, a presidente da Associação Quilombola Pró-Reintegração Invernada Paiol de Telha Fundão Heleodoro, Mariluz Marques, diz que o momento atual é histórico. “A gente já pode falar: é nosso”, comemora. “É resultado de luta após luta, de muitas idas a muitas instâncias. É resultado do trabalho de cada pessoa da comunidade”, disse ao site Terra de Direitos.
Já a coordenadora executiva da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), Ana Maria dos Santos Cruz comemora a conquista. “Não estou nem acreditando que o Paiol de Telha conquistou essa vitória. “É o primeiro do Paraná!”, disse ao Terra de Direitos. Porém, nem por isso a luta chega ao fim. “Eu estou muito feliz, mas a gente precisa de mais. Precisamos que o restante das terras do Paiol e que as outras comunidades do estado também sejam tituladas”, lembra. O Paraná possui hoje 38 comunidades quilombolas certificadas pela Fundação Palmares.
Os 228 hectares que serão titulados constituem um retalho dos 2.959 hectares já reconhecidos como de direito da comunidade quilombola.