22/08/2023

Pastor João e a Igreja Invisível

Por Marcio Fernandes * –  Pastor Emanoel é, aparentemente, um sujeito afável. Mas, uma vez dentro do tempo que ele diz representar em Guarapuava, se você não rezar literalmente pela cartilha dele, as intimidações e as ameaças veladas podem te acompanhar enquanto você estiver ali dentro. Pastor Emanoel também não é segurança privado mas, se necessário, ele pode se prestar a este papel. Pastor Emanoel, cabelo alinhado, barba feita e bem vestido, é da Igreja Universal do Reino de Deus em Guarapuava, instalada bem pertinho do Banco do Brasil, como dizia o folheto que recebi ao longo da semana passada, convidando para uma pregação com Mara Maravilha. Sim, a mesma que outrora foi mocinha e animou as manhãs e tardes infantis do SBT.
Pois no meio da noite do dia 29 de julho de 2010, uma quinta-feira, pelo menos 1 mil pessoas disputavam espaço dentro da sede da Universal (fora aquelas que, no meio da rua – fechada pela Prefeitura, aliás, com segurança externa da Guaratran), fazendo pipocar flashes de máquinas fotográficas nos pastores que ocupavam o palco para difundir o que eles consideram a Palavra do Senhor, além de explicitamente pedir votos aos fiéis para o pastor Edson (que busca se re-eleger deputado estadual no Paraná) e para o pastor Oliveira (o qual sonha com o Congresso Nacional). Repete comigo, dizia o pregador principal: pas-tor Ed-son, nú-me-ro 10-1-2-3. É, caro leitor, é isso mesmo que você está pensando: embora proibido, um showmício aconteceu dia desses dentro da Universal, já que, por volta de 20h45, Mara Maravilha entrou no tablado para cantar e pedir votos aos dois. Repete comigo: pas-tor Ed-son, nú-me-ro 10-1-2-3.
Eu, que de curioso lá estava para ver Mara Maravilha (a entrada era franca a qualquer pessoa) e vez em quando olhava meu celular preso à cintura para não perder a hora (devido a um compromisso de ordem pessoal às 21h), tive a oportunidade de conhecer o que podemos chamar de ´método Universal de intimidar pessoas que não entram no nosso transe coletivo´. Primeiro, dois sujeitos se postaram a meu lado, em posição de segurança atento a tudo. Minutos depois, chegou mais um – terninho preto, fone de ouvido conectado a um radiotransmissor e semblante sério. Foi direto ao ponto: Tudo certo aqui? Não é permitido fotografar nem gravar aqui, certo?, avisou, com voz baixa mas agressiva. Enquanto se afastava, notei que, exceto eu (que mal havia visto a hora em meu celular), tive a impressão de que todos à minha volta estavam de máquinas ou telefones em punho, registrando tudo.
Mas, uma vez vista a Mara, decidi que estava na hora de ir, por volta de 20h55. À saída, vi pastor Edson, abraçando fiéis e distribuindo um panfletinho com instruções sobre como votar nele. Ao fundo, Mara continuava a cantar. Resolvi cumprimentar o deputado que, igualmente afável, abriu um sorrisão. Momento seguinte e três ou quatro pastores/obreiros (como os assistentes de palco ali são chamados)/segurança cercaram o pastor, para descobrir o que eu dizia a ele. Comentei sobre a estratégia ameaçadora da Universal, ato suficiente para o sorrisão desaparecer e fazer surgir Emanoel, o mesmo personagem do início deste texto, tentando de maneira confusa me explicar as razões que levam a Universal a manter seguranças dentro de um centro espiritual, a estar instalada em um local cujas saídas de emergência são mal sinalizadas, a colocar no palco pastores que defendem abertamente a homofobia e a dizer aos crédulos da mesma Universal que basta ir até o tablado, deixar ali sua carteira de cigarro ou a trouxinha de maconha ou cocaína e receber uma benção na cabeça de dois segundos que o vício estará dominado. Além de, escancaradamente, promover um showmício em pleno período eleitoral.
Eu estive por instantes com pastor Emanoel e a Igreja Universal. Mas tive a nítida sensação de que, como compôs certa vez Raul Seixas, era pastor João e a Igreja Invisível, cuja letra a certa altura diz ´para os pobres e os desesperados / vendo barato a minha nova água benta / três prestações, qualquer um pode pagar´. Já estou curioso quanto ao próximo showmício da Universal em Guarapuava. Espero que a Justiça Eleitoral também. Pastor Edson já avisou que não dará tempo de visitar os 300 templos da Universal no PR durante a campanha. Então, você que está dentro da Igreja, repete comigo: 10-1-2-3.

* Morador de Guarapuava. E-mail: marciorf@globo.com

Cristina Esteche

Jornalista

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