A história do administrador Américo Prado dos Santos é aquele que se pode chamar de exemplo de superação. Aos sete anos de idade descobriu que tinha diabetes, entrou em coma e foi para a UTI. Saiu de lá com um roteiro diferente daquele que tinha sonha viver.
Porém, a evolução da doença o levou à cegueira, além de uma série de complicações que incluíram hemodiálise, transplante, desespero, fraqueza. Mas a vontade de vencer falou mais alto, como ele mesmo conta.
“Não nasci deficiente e nem doente. Quando completei sete anos minha família descobriu que eu tinha diabetes, após entrar em coma e ir parar em uma UTI de um hospital. Fiquei internado por uma semana. Quando saí do hospital e voltei para minha casa, minha mãe segurando minhas mãos e me confortando tentou me explicar como seria minha rotina a partir daquele momento em diante”.
Assim, após o diagnóstico da doença, a insulina começou a fazer parte do seu dia a dia.
Eu implorava e pedia para minha mãe e para os médicos um remédio que me curasse totalmente do diabetes. Eles falavam que infelizmente, no momento, ainda não existia. Porém, com a insulina eu poderia ter uma vida quase normal. Tudo isso era muito difícil de entender e aceitar
De acordo com Américo, a sua infância foi repleta de privações. “Como toda criança, gostava de guloseimas, doce, chocolate, refrigerante, sorvete. Salivo quando penso em todas essas delícias e eu não podia comer nada que tivesse açúcar”.
A EXCLUSÃO
Conforme Américo, na escola, passava muita vontade de comer o que seus amigos comiam, mas não podia. Tinha que se controlar, aceitar e se conformar. Segundo ele, o momento mais constrangedor era quando se sentia totalmente excluído, na hora do lanche. “Não gosto nem de lembrar. Até escovar os dentes, era uma tarefa difícil porque tinha medo de que, no creme dental, houvesse açúcar em sua composição e eu iria parar em um hospital”.
Assim, quando criança, vivenciou essa doença mudar completamente o rumo e o destino da sua vida. “Confesso que só compreendi realmente a gravidade dela à medida que fui crescendo”.
De acordo com Américo, quando adolescente, guardou muitos sentimentos. “Era difícil falar sobre minha vida. Encobri o meu problema de quase todos os meus colegas. Não queria que eles sentissem pena ou dó. Somente os amigos mais chegados sabiam do meu sofrimento e da doença”.
Tinha medo de arrumar namorada e não poder beijá-la porque ela talvez tivesse resíduo de açúcar na boca e eu poderia entrar em coma novamente. Perdi o número da quantidade de vezes que fiquei internado. Não queria ir parar no hospital. A palavra hospital era assustadora, aterrorizante e um tormento
Conforme Américo, a doença lhe impôs uma rotina rígida que tinha como obrigação segui-la à risca. “Em muitos momentos achei que todo esforço que fazia iria dar em nada. Queria parar e desistir. Era difícil expor minhas limitações. Mas, tudo se tornou mais fácil quando entendi sobre como enfrentar o diabetes e como me cuidar. Procurei levar uma vida normal, saía para passear, estudava, perdi o medo de beijar, namorava muito, praticava esportes”.
Assim, aos 15 anos, estudava e trabalhava como estagiário. “Sentia-me bem. Tentava no meu dia a dia esquecer os efeitos colaterais que a doença causava e não falava mais o que sentia. Concluí o ensino médio e aos 18 anos tirei carteira de motorista e comecei a trabalhar como caminhoneiro”.
A CEGUEIRA
Porém, aos 26 anos, recebeu um novo golpe: aos poucos, a visão foi sumindo, desaparecendo. “Fiz algumas cirurgias que não tiveram sucesso. Até que um dia acordei e não enxerguei mais nada. Aí veio o desespero. A notícia de que tinha ficado cego, esmagou-me. Sabia que não tinha nenhum analgésico que aliviasse essa dor. Fiquei desesperado porque achei que todo meu esforço dera em nada. Com esse acontecimento, comecei a dar sinais de cansaço.
Não aguentava mais tanto sofrimento. Senti-me debilitado e sem forças para continuar a viver. Enfraqueci fisicamente, mas a fraqueza maior foi a psicológica, por achar que me tornaria dependente dos outros para fazerem tudo por mim.
Conforme Américo, esse momento foi muito triste e afetou a sua vida vida e a vida de todos os seus familiares. “Eles sofriam comigo. Querendo recomeçar, levantei novamente a cabeça e resolvi enfrentar esse novo desafio. A vida muda completamente quando se perde a visão. Tive que reaprender a viver. Recobrei o ânimo e as forças, e dei novos rumos para minha vida. Ocupei meu tempo com atividades úteis e produtivas, parei de reclamar da minha condição, arregacei as mangas, descruzei os braços, parei de me vitimizar, segui em frente e fui à luta”.
Assim, o primeiro passo foi matricular-se numa Associação e em um Centro Especializado no Atendimento para Pessoas com Deficiência Visual. Lá, ele aprendeu que poderia ter uma vida normal, ser autônomos e independente convivendo com a cegueira.
“Queria viver muitas experiências que não tive a oportunidade de vivenciar. Mudei completamente meu modo de ser e agir. No meu novo modo de viver não havia espaço para tristeza ou derrota. Segui em frente, tentando esquecer o passado e a doença. Procurei viver cada dia como se fosse o mais especial da minha vida, não me deixei abater. Saía para passear e procurava ocupar meu tempo com várias atividades que me completavam e faziam bem”.
UM NOVO GOLPE
Entretanto, quando achou que a sua vida estava estabilizada que tinha aprendido a conviver com o diabetes e com a cegueira, surgiu uma nova etapa crucial. “Achei que já tinha sofrido bastante e que as coisas não poderiam piorar, mas pioraram.
Porém, com o desenvolvimento da doença, um dia veio um novo golpe. “Comecei da noite para o dia a fazer tratamento de hemodiálise. Cobri-me de luto, foi difícil aceitar. Encontrava-me exaurido em iniciar essa triste e penosa nova caminhada. Não sabia para onde ela iria me levar, se teria forças para realizá-la e completá-la. Não queria retroceder, nem perder o ânimo”.
Perdi peso e visivelmente emagreci muito. Passar por tudo isso e começar uma nova etapa da vida, infelizmente, me fez novamente perder o rumo e a direção. Não estava preparado para enfrentar tudo isso. Minha mãe, minha fiel companheira sofria calada encontrando forças de onde não tinha para incentivar a recomeçar. Ela não esperava e não desejava essa doença para minha vida, e confesso, nem eu mesmo
Nessa trajetória, Américo diz que conheceu pessoas especiais que o ajudaram a ter esperança. “Era como se me chamassem para uma nova vida. Encontrei forças onde achei que tivessem se esgotado. Tive fé e coragem para prosseguir. Reaprendi a viver com a rotina rígida da hemodiálise. Tinha certeza que nada era impossível para quem tem fé e acredita que pode superar os obstáculos. Formou-se em mim garra e desejo de viver, difícil de mensurar. Tinha muito que aprender e realizar”.
RITUAL INDESEJADO
De acordo com Américo, existem situações que nos são impostas pela vida que independem da nossa vontade e do nosso querer. “Para quem não enxerga fazer hemodiálise é uma situação difícil e complicada de se entender. Sem me deixar desanimar e abater como num ritual que deveria ser seguido à risca, três vezes por semana, sentava-me em uma poltrona e ficava refém de uma máquina por horas. Fui muito bem orientado pelos médicos e pela equipe sobre o procedimento do ‘rim artificial’. Segui em frente”.
Nessa fase, a doença o enfraqueceu.
Algumas vezes achei que durante a hemodiálise algo muito ruim pudesse me acontecer. Quando se dialisa, as horas não passam, é angustiante. Fazia de tudo para esconder o medo, às vezes sentia que meu corpo gritava por socorro e que iria desfazer-se em pedaços
Porém, ele diz ter a certeza e a convicção de que todos os profissionais que trabalham na hemodiálise são pessoas incumbidas por Deus de uma missão especial. “Eles nos apoiam, dão forças, tornam-se amigos nessa batalha. Ninguém me desamparou nesse momento tão difícil. Apesar de tudo, meu semblante expressava sempre sorriso e esperança. Com o apoio da minha família e principalmente minha mãe com seu amor, carinho, compreensão, faziam com que recobrasse as forças, a fé e o ânimo e seguisse em frente”.
DE MAL COM A PANTUFA
Apesar de toda as dificuldades enfrentadas, Américo olha atrás e ainda encontra motivos para brincar.
“Hoje acho até engraçada minha revolta com a pantufa que era obrigatória colocar para entrar na sala de hemodiálise. Queria parar de dialisar só por causa dela. Após muitos conselhos dos funcionários e a paciência para convencer-me, concordei em usá-la, mas confesso que odeio pantufa. Nos meus piores pesadelos sempre tem alguém calçando pantufa”.
Assim, nessa trajetória, ele diz que fez muitos amigos na sessão de diálise. “Alguns, depois do transplante, relataram que passavam a levar uma vida normal e isso me dava esperança e forças para continuar. Outros faziam diálise há anos e agradeciam por esse tratamento, pois, se não fosse por ele não estariam vivos. Durante a diálise sonhava e desejava voltar a ter qualidade de vida”.
A LISTA
Entre esse anos, Américo lembra de quando estava na fila para o transplante. “Encontrava-me na lista de espera para transplante de pâncreas e rim. Residia no interior e o transplante era realizado em um hospital de uma cidade que ficava próxima a capital. Fui chamado algumas vezes para realizar o transplante. Saía de madrugada, a viagem até lá era longa, cansativa e estressante. Porém, chegava todo esperançoso, mas por algumas vezes fui informado que os órgãos não eram compatíveis. Voltava nervoso, triste, contudo sem me sentir derrotado. A fé era meu fiel escudo. Sabia que minha hora iria chegar. Tinha muita esperança de que em breve teria uma vida melhor e sem tantos sofrimentos, planejava, sonhava e lutava por esse ideal de vida”.
O TRANSPLANTE
Porém, entre idas e vindas, na quarta vez que foi chamado para o transplante, embora estivesse cansado e um pouco desiludido, persistiu e lutou contra esse sentimento e contra a vontade da sua mãe que não queria que ele fizesse o transplante, hesitando em prosseguir. “Acho que, no fundo, ela tinha medo de me perder ou que me frustrasse ou desiludisse novamente. Eu sentia e sabia que ela sofria, mesmo ela escondendo esse sentimento.
Eu não tinha certeza se iria vencer, ou seja, que daria certo. Mas como não queria retroceder, nem fazer mais diálise segui em frente. Por minha vontade e insistência chegamos ao hospital para realizar o transplante cujos órgãos eram compatíveis e imediatamente os médicos me hospitalizaram
Antes do procedimento, ele disse que orou. “Nesse momento de entrega desliguei-me da realidade e procurei esquecer todos os meus problemas. Cirurgia complicada, composta de uma equipe formada por vários médicos. Durante o transplante ocorreu tudo bem e a cirurgia foi um sucesso. Agradeço a Deus pelo dom e pela missão dada a todos”.
DE VOLTA À UTI
Assim, alguns dias após a recuperação foi encaminhado para UTI, inconsciente. Após alguns exames, os médicos informaram sobre a necessidade de realizar mais um procedimento cirúrgico devido à infecção hospitalar que já estava generalizada. “A notícia abalou completamente minha família e meus amigos.
Durante dias segui inconsciente e não soube de nada sobre o que aconteceu nesse período. Após nova cirurgia, mais um milagre em minha vida. Consegui vencer. Fiquei internado por um mês até receber alta e retornar para casa”.
A REFLEXÃO
Depois de saber tudo o que aconteceu com detalhes, Américo diz que ficou refletindo. “Tinha muito que agradecer a Deus, à equipe médica, aos funcionários do hospital, meus familiares, minha namorada, meus professores, meus amigos e especialmente à minha amada e dedicada mãe pelo apoio que recebi. Em todos os momentos ela sempre esteve ao meu lado me apoiando, cuidando, orando, zelando, sofrendo e me dando forças.
Tenho certeza que as orações e o pensamento positivo de todos foram fundamentais e especiais nesse processo. A notícia de que estava me recuperando espalhou-se. Estava ansioso para rever todos e agradecer pela força e agradeci e continuo agradecendo
Hoje, nessa nova fase que está vivendo, ele que se abriu e que renasceu para a vida. “Quero conquistar muitos sonhos planejados. Tudo o que passei me deu forças e ajudou-me a fortalecer”.
Com o transplante fiquei totalmente curado do diabetes, parei de fazer hemodiálise, posso comer doces e ganhei peso, passei no vestibular e me formei em Administração. Estou namorando e sonho em constituir minha própria família e voltar a trabalhar”.
A GRATIDÃO
“Não me canso de agradecer. Gratidão! Palavra que cura até doenças da alma. Tenho sede de viver e vencer. Sou feliz, de bem com a vida, tenho uma família abençoada e muitos amigos. Tenho fé e esperança. Considero-me guerreiro, sobrevivente e vencedor.
Aprendi que para viver é necessário juntar e somar alegrias e tristezas.Descobri que cada novo dia que amanhece é um milagre da vida que não se repete. Procuro viver intensamente e em sua plenitude todos os momentos que me são presenteados como uma dádiva divina
BIOGRAFIA
Américo Prado de Ramos, nasceu no dia 05 de Agosto de 1983, no município de Guarapuava. Foi morador do município de Pinhão, e há quatro anos voltou a residir na cidade em que nasceu. Formou-se em Administração em 2017 pela Unicentro.
Participa do Grupo de Corrida Lobos da Serra, como forma de motivar a atividade física e a inclusão das pessoas com deficiências.
Como perspectivas futuras, almeja prestar concursos públicos, assim como, empreendedorismo. Atualmente é presidente da Associação de Pais e Amigos dos Deficientes Visuais.
Assim, sua gestão na Associação parte do princípio inclusivo das pessoas com deficiência visual na sociedade, assim como, visa estimular todo o processo de ensino e aprendizagem, proporcionando melhor qualidade de vida e autonomia.
SERVIÇO
Para conhecer a realidade das pessoas com deficiência visual, o trabalho desenvolvido pela Associação e contribuir com doações, moradores de Guarapuava e demais regiões podem entrar em contato com a Apadevi pelo telefone (42) 3622-06-17. E-mail: apadevigpva@gmail.com.