O fim de semana em Laranjeiras do Sul foi marcado por três mortes violentas. Porém, os desdobramentos vêm para o Instituto Médico Legal (IML) de Guarapuava. Esse espaço, literalmente, é lugar de drama. Ainda mais, como nesse fim de semana, as famílias retornaram a LS sem os corpos para velório e sepultamento. Isso porque a liberação ocorreu somente nesta segunda por falta de auxiliar de necrópsia. Os dois últimos corpos foram entregues à família às 15h. São dois irmãos.
Entretanto, por trás do cansaço dos três auxiliares que se revezam em plantões, está o sofrimento das famílias que perderam, no caso, os filhos. E para agravar, foram mortes violentas.
Assim um dos casos vivenciados pelo Portal RSN, nesta segunda (3), Dona Marta Leal, mãe de Romário Leal, 21 anos, é cuidadora de uma senhora de 92 anos de idade.
Eu durmo na casa dela e no sábado lá de madrugadinha fui acordada pelos gritos da minha filha. Abri a janela e estava ajoelhada na grama gritando. Ele disse que tinha que ir na delegacia para reconhecer o corpo do Romário.
De acordo com dona Marta, ela saiu “atordoada”, sem saber o que estava acontecendo. “Quando cheguei um policial perguntou se o meu filho tinha alguma tatuagem. Eu disse que era uma imagem de Nossa Senhora no braço e escrito ‘mãe’. O policial só abaixou a cabeça e eu entrei porta adentro”.
Entretanto, aos prantos, dona Marta disse que o seu coração doeu mais ainda ao ver o estado do corpo do filho. “Não sei o que fizeram com o meu filho. Fico imaginando o quanto ele sofreu para morrer”. Segundo Dona Marta, o corpo do filho foi encontrado dentro de uma casa vazia. O dono da residência disse que dormiu na casa de um vizinho.
Ele estava com a cueca abaixada e num dos lados da bunda tinha uma faca de serra enfiada e no outro um garfo. As costas estavam cheias de golpes de faca. Uns oito. E num dos lados rosto estava afundado e tinha um tomate
Porém o sofrimento da mulher se tornou ainda maior quando veio sozinha, apernas com o motorista da funerária, trazer o corpo para o IML de Guarapuava. “Chegamos aqui e soubemos que tinha expediente. Tivemos que voltar pra casa. Fiquei a noite inteira sem dormir e bem cedinho voltamos e estamos aqui esperando.
É muito desumano. Só estou em pé porque sou evangélica e tenho muita fé em Jesus. Mas é muito revoltante, muito triste essa situação. A gente paga impostos pra que?
Todavia, em meio à conversa com o Portal RSN, dona Marta recebe um telefonema da filha. “Meu marido sofre de diabetes e está passando mal. Subiu a pressão e eu estou aqui”. O corpo de Romário foi liberado por volta das 12h15.
Assim, tão logo o carro funerário saiu, outra família começou a ser atendida. Era a mãe e um irmão de Vilson e João, mortos a pedradas também na madrugada de domingo (2) em Laranjeiras do Sul. Eles também tiveram que esperar esta segunda para a liberação dos corpos. Emocionados, nenhum teve condições de falar.
CASO DE SAÚDE PÚBLICA
Se de um lado, o sofrimento das famílias é grande, de outro, a condição de um auxiliar de necrópsia é questão de saúde pública.
Teve um dia que trabalhei 16 horas seguidas, abrindo corpos, lavando, secando músculos, costurado de seis corpos
Porém, o serviço do auxiliar de necrópsia não para por aí. Apenas uma porta separa o necrotério da parte administrativa. Após lavar as mãos sujas de sangue, esse profissional passa a porta e vai acolher a família. Após serem xingados pela demora, colhem todos os dados. “São perguntas que mexem mais ainda na ferida dos familiares”. E então vem o preenchimento e o relatório que é postado no sistema ‘on line’ do IML.
“Agora, você consegue imaginar como é a nosso psicológico, lidando diariamente com a morte e com o desespero das famílias. Muitas vezes estamos sem dormir, sem comer. Eu já não suporto mais este lugar porque acumulamos funções. Somos até motoristas”.
Conforme o desabafo de um desses auxiliares de necrópsia, todos tem família, tem filhos. “Temos uma escala insana e ganhamos muito pouco. Por isso, muitos usam a hora de folga para fazer ‘bicos’. Não temos nenhum acompanhamento psiquiátrico. Assim, temos caso de suicídio em Toledo, de consumo de álcool e de drogas”.
Para a demanda de Guarapuava, com a redução das 23h para às 20h desde o dia 1º de fevereiro, mais um profissional resolveria a demanda. “Teríamos condições de fazer 24h por 32h”.
Entretanto, as famílias que perder alguém por morte violenta, após às 20h, terão que esperar até o dia seguinte para a liberação.
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