As mulheres que já passaram por gravidez sabem como o período não é fácil. Enjoos, dores, incômodos que surgem à medida em ventre se dilata e o corpo se transforma.
Assim, o aconchego da família, a presença da mãe é muito importante na fase em que a grávida deixa a sua condição de ser filha para também se tornar mãe.
Porém, a pandemia do coronavírus, o isolamento social, impõem regras até então não imaginadas. Assim, como é gestar em tempo de pandemia, longe da família, numa cidade cosmopolita onde se é, literalmente, mais um na multidão? O Portal RSN pediu que a jornalista de Guarapuava, Joelma Baitel fizesse um relato sobre como está enfrentando essa situação.
Assim, a Jo Baitel descreveu o que sente em forma de carta endereçado ao filho Caio que vai nascer a qualquer momento.
PARA CAIO
“Meu filho,
Neste momento em que completamos 39 semanas da sua existência em meu ventre, o planeta passa por um momento muito desafiador. Estamos vivendo uma pandemia mundial em função de uma doença chamada Covid – 19 que, embora não tenha alto índice de letalidade, se alastra muito rápido e por isso tem matado milhares de pessoas todos os dias, pela falta de capacidade do sistema de saúde de atender aos casos que ficam graves.
O papai e a mamãe estão trabalhando somente em casa e a determinação é para que as pessoas realmente só saiam em caso de urgência ou para comprar alimentos e remédios. Os seus primos João e Vitor, com sete anos, também não estão mais indo pra escola já há quase dois meses e as aulas ainda não têm previsão de voltar.
Tivemos muito medo de que seus avós adoecessem, porque esse vírus atinge de forma mais grave e fatal aos idosos. Aos poucos conseguimos convencê-los sobre a necessidade drástica de isolamento social, o que tem feito a mamãe entender que realmente conforme a vida vai passando, fica cada vez mais desafiador mudar padrões e hábitos.
Estamos em São Paulo, no epicentro da epidemia no Brasil, a mais de 600 Km da família da mamãe no Paraná. Tivemos que mudar muitos planos. Os hospitais estão lotados e quase não têm mais vagas para atender quem precisa. Os vôos foram cancelados, não temos mais nossos encontros familiares, a visita dos nossos queridos no final da gestação também não aconteceu e nem os vovôs poderão te visitar nos primeiros dias de vida.
Pela primeira vez estamos experimentando a situação de que não prestar gestos de carinho como beijos e abraços, assim como não visitar as pessoas que mais amamos, pode ser decisivo na proteção e cuidado real de todos. Tem sido drástico, mas necessário. Lavamos as mãos a todo momento e usamos muito álcool gel. Na rua só podemos sair de máscara e quando chegamos em casa precisamos tirar toda a roupa e ir direto para o banho.
Pedimos algumas compras para serem entregues em casa ou compramos alimentos nas pequenas vendas da nossa rua. Suas coisas, berço, roupinhas, que deixamos para providenciar em última hora, foram compradas todas pela internet. Temos somente o essencial e descobrimos que é o suficiente!
Depois de todo esse tempo isolados, vivemos ainda um grande crescimento da doença e o mundo todo olha para o nosso país com preocupação. Tem sido muito triste, porque temos um presidente da nação agindo de forma completamente despreparada, estúpida, ignorante e insensível, o que tem dificultado às pessoas se conscientizarem a colaborar com distanciamento e sairmos logo desta situação. Saiba que seus pais não contribuíram para que esse líder chegasse ao poder. Nunca gostamos dele!
Sabe, meu filho, você está prestes a chegar e a sensação de parir em meio a esse caos é incerta. Às vezes o medo surge no coração da mamãe, aí é o momento de respirar e entender que tudo tem um propósito e de certa forma já temos um contrato de almas para passar juntos pelo que precisar.
Mas o que estamos entendendo definitivamente, filho, é que de fato precisamos mudar a nossa lógica de vida. O sistema de crescimento da economia a qualquer custo é sensível e pode ser abalado a qualquer momento. O individualismo extremo que vivemos até agora não pode ser sustentado porque aprendemos na marra que estamos todos conectados e dependemos um do outro numa corrente que extrapola fronteiras entre os países, mais ainda num âmbito menor na nossa família, espaço de trabalho e vizinhança.
Estamos tendo que cuidar de nós e do outro para proteger quem amamos. Essa tem sido uma das lições mais importantes!
Quando você tiver acesso a este registro, já deve saber que a mamãe é jornalista e gosta de organizar pensamentos e emoções internas através das palavras. Fiquei pensando também que gostaria de saber o que se passava no nosso país e no mundo quando eu ainda estava na barriga da vovó.
Mas espero, mais do que tudo, meu filho, que um dia você possa ler este texto e se encontrar vivendo num mundo melhor por termos passado juntos por esses desafios, que estão sendo duros, mas que com certeza vieram para nos fazer mais sensíveis, humanos e conscientes de nossa fragilidade, num desequilíbrio enorme para mostrar que nosso caminho não estava de acordo com a natureza perfeita e termos a oportunidade de retomar algumas sabedorias que deixamos para trás.
Abençoados sejam esses seres que chegam ao planeta na esperança de construir uma nova e harmônica realidade para todos.
Por fim, estamos todos gestando uma nova forma de viver no planeta. O expulsivo é dolorido, mas vale a pena!
É assim que me sinto!
Tudo vai ficar bem! Deus nunca nos abandona e já sinto a benção da paz!
Te amo!
Mamãe Jo”.
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