*Reportagem com vídeo
Ana Maria Santos e a filha Eduarda são descendentes de escravos e quilombolas. Por isso, guardam na memória as tradições de um passado muito recente. Já a dona de casa, Terezinha do Patrocínio, que hoje mora no bairro Santa Cruz, é uma das remanescentes de uma tradição popular. Ela acorda na madrugada para colher macela, ou marcela, antes do Sol nascer. Esses dois costumes são próprios da Sexta-Feira Santa. Entretanto, estão fadados à extinção.
De acordo com Ana Maria, ela cresceu vendo os pais, avós e bisavós, fazerem a ‘Recomenda das Almas’ na noite da Sexta-Feira da Paixão. “Lembro que eles se reuniam numa determinada casa para a organização do ritual. Tinha que se somente com números ímpares. Isso nas casas que seriam visitadas, no número de participantes”. Conforme a quilombola, as pessoas saiam em procissão, batendo matracas – dois pedaços de madeira – e chegavam à porta da casa.
Cantando uma espécie de lamento e batendo a matraca faziam com que a família acordasse. Depois que entravam iam até um altar que já estava preparado e continuavam rezando a Recomenda.
Em seguida sentavam, conversavam, tomando um cafezinho ou faziam um lanche e seguiam para outra casa. A família da casa visitada seguia junto.
“Quando voltei para a zona rural, num quilombo aqui em Guarapuava, revivi essa tradição e minha filha também participou. Nos reuníamos com tios, primos, já que a comunidade possui um grau de parentesco uns com os outros”. De volta a morar na cidade, Aninha diz que sente não poder mais participar. “A distância dificulta, mas meus tios mais velhos continuam fazendo. Acho que pela Páscoa ser um momento de reflexão eles lembram das pessoas que já não estão mais ali. Eu sinto muito não participar porque é a história do nosso povo negro e quilombola”.
COLHER MACELA NA MADRUGADA
Outra tradição que também perde adeptos a cada ano que passa é a colheita da macela. Planta medicinal indicada para cólicas e problemas estomacais, é também conhecida como ‘marcela do campo’.
Terezinha do Patrocínio ainda preserva a tradição que herdou os avós. “Eu era criança e morava no interior do Turvo. Minha avó acordava eu e meus irmão nas madrugada para ir à beira da estrada colher a marcelinha do campo. Tinha que ser antes do Sol nascer. Minha avó dizia que orvalho era como água benta e como o sangue de Jesus”. Terezinha conta que no Sábado de Aleluia a ‘marcelinha’ era retirada do altar que tinha no quarto da avó e pendurada para secar. “A gente tinha chá para o ano inteiro. E eu ainda guardo esse costume. Minhas filhas não me acompanham. Acham que é bobagem dos antigos. Também não querem mais que eu saia. Mas vou escondido”.
Entretanto, Terezinha disse que já tem medo de sair sozinha quando o dia não amanheceu. “Eu desço a serra [Jordão] procurando, mas está cada vez mais difícil de achar. Uma pena”.
*Confira o vídeo de Ana Maria
Leia outras notícias no Portal RSN.