Primeiro vem o sonho de gerar uma vida, a decisão, a espera e, por fim, a confirmação. Os pais e as mães passam a comprar e ganhar roupinhas, brinquedos, fraldas e a sonhar com o nascimento tão esperado. Mas muitas vezes esse sonho não chega ao fim e a gravidez é interrompida por causa de um aborto espontâneo. O que muita gente não sabe, é que ele é mais comum do que se imagina.
De acordo com o Manual MSD, até 15% das gestações reconhecidas em todo o mundo terminam em aborto espontâneo a cada ano. Conforme as estimativas publicadas em 2021 na revista médica The Lancet, essa porcentagem equivale a cerca de 23 milhões de gestações. Ou seja, 44 a cada minuto e uma em cada 10 mulheres.
Dessa forma, aproximadamente 85% dos abortos espontâneos ocorrem durante as primeiras 12 semanas de gestação. Além disso, até 25% de todas as gestações terminam em aborto durante as 12 primeiras semanas. Os outros 15% dos abortos espontâneos ocorrem durante a 13ª até a 20ª semana. Entretanto, esse tipo de aborto é mais comum em gestações de alto risco, sobretudo em mulheres que não estão recebendo cuidados médicos adequados.
Contudo, uma grande quantidade deles não é reconhecida. Isso porque ocorre antes de a mulher descobrir que está grávida. Além disso, os pesquisadores acreditam que o balanço real seja “substancialmente maior”, devido às subnotificações.
Mas os dados não mostram com precisão o drama vivido por muitas famílias e, principalmente, pelas mulheres. Depois de sofrer dois abortos, Ana Paula Campos da Costa Britto perdeu o chão por muito tempo. Ela sentia um misto de medo e revolta. “Demorei para me recuperar, pra aceitar”.
O INÍCIO DO SONHO
Assim como muitas mulheres, Ana Paula sempre sonhou em ser mãe. E mesmo tendo casado aos 36 anos, idade considerada avançada quando se trata de uma gravidez, ela não pensou em desistir. “Eu não esperei muito depois do casamento para deixar os métodos contraceptivos de lado e tentar engravidar”. E em janeiro de 2018 veio a ótima notícia, ela estava grávida de quatro semanas, aos 38 anos.
De acordo com ela, tudo corria bem até os exames de translucência nucal. Eles mostravam que o bebê tinha uma alteração na ‘prega nucal’ que podia indicar uma cardiopatia ou até mesmo uma síndrome. “O normal para o exame era essa ‘preguinha’ medir no máximo 2,4. Mas nosso bebê tinha 4,3”. Dessa forma, a obstetra alertou para o risco de que a gravidez não evoluísse.
Nosso mundo desabou. O primeiro filho, o mais desejado, o tão sonhado. Não queríamos perdê-lo de jeito nenhum. Tínhamos esperança de que não perderíamos.
Cerca de 15 dias depois veio a má notícia. Enquanto preparavam-se para saber o sexo do bebê, os pais souberam da médica que ele não tinha mais batimentos cardíacos e tinha parado de evoluir na décima primeira semana. Assim, Ana Paula precisou ser internada e passar por uma curetagem, pois o aborto havia sido retido. Ou seja, houve necessidade de limpar os restos do abortamento.
Com a dor física e a dor da perda, Ana Paula foi para casa ainda sem acreditar. Mas ao pegar as roupinhas que seriam do bebê, a ficha caiu. “Chorei muito. Não sei mensurar o tamanho da tristeza que eu senti de sequer conhecer o rostinho do meu bebê. A gente fica com uma sensação de tristeza e medo de não realizar o sonho da maternidade nunca mais”.
UMA NOVA TENTATIVA E MAIS DOR
Um ano após a perda, Ana Paula engravidou novamente e, por causa do trauma, sentia mais medo do que alegria. “Não queria passar pela dor da perda de novo, mas não teve jeito. Descobri em uma semana e na outra tive um sangramento intenso, acabei perdendo o bebê de novo”.
Esse aborto me fez perder o chão por muito tempo. Um misto de medo e revolta. Demorei para me recuperar, pra aceitar.
De acordo com Ana, a rede de apoio fez toda a diferença para passar por esse momento difícil. “O amor de Deus e da minha família foi fundamental pra superar esse período difícil”. Para ela, o aborto não difere em nada da perda de um filho que já nasceu. “É uma mãe perdendo um filho que ela amou desde o primeiro instante”.
ESPERANÇA RENOVADA
Em 2020, Ana Paula engravidou novamente e, dessa vez, a gravidez evoluiu. 35 semanas depois, Benício nasceu, perfeitamente saudável, pesando 2,6 Kg. “Hoje ele tem um ano e dois meses e é o amor das nossas vidas”.
E as bençãos não pararam na vida do casal que já está esperando mais um bebê. Dessa vez, uma menininha que deve completar a família em abril. “Costumo dizer que Deus me deu de volta os filhos que foram morar com Ele. Com 42 anos, sou mãe de quatro filhos”.
Milhões de mulheres passam por essa situação todos os anos e assim como Ana Paula precisam superar a dor da perda de alguma forma. Contudo, cada uma tem uma forma particular de enfrentar esse desafio. Apesar disso, para Ana, o principal ponto é não desistir.
Eu sou cristã e encontrei força pra enfrentar esse processo nas minhas orações, no meu particular com Deus. A fé pode não ter nenhum tipo de comprovação científica sobre casos como esse, mas me ajudou a superar tudo isso.
Além disso, Ana sugere que as mamães precisam cuidar da saúde e do bem-estar delas. Bem como cercar-se de pessoas que as amam e “de preferência das que não cobrem por mais um filho, mais uma tentativa. No tempo certo, ela será surpreendida. O amor por um filho é o maior amor do mundo. Tudo vale a pena por esse amor”.
DEFINIÇÃO E CAUSAS
O aborto espontâneo é definido pelos médicos como uma interrupção involuntária de uma gravidez que acontece antes da 20ª semana, cerca de cinco meses de gestação. Além disso, é preciso que o feto esteja pesando menos de 500 gramas para definir como aborto espontâneo.
Mesmo não sendo muito discutido, esse tipo de aborto é comum e pode causar bastante tristeza e dor emocional para pacientes. Com os novos estudos sobre o tema, citados no início da reportagem, é possível ter uma ideia de como há uma necessidade de que a discussão esteja presente no cotidiano.
De acordo com a enfermeira obstetra Daize Dalzotto Dala Rosa, coordenadora da Maternidade do Hospital São Vicente, as causas de abortamento espontâneo podem estar associadas a alterações genéticas e não genéticas. Conforme o Manual MSD, problemas no feto ou na mulher podem causar a perda da gravidez.
No feto, pode haver problemas como, por exemplo, uma doença genética ou um defeito congênito. Já quando o problema é na mulher, as causas podem ser anomalias estruturais dos órgãos reprodutores, infecção, uso de drogas ou uma lesão.
DIFERENÇA ENTRE ABORTO ESPONTÂNEO E MENSTRUAÇÃO
A enfermeira obstetra Daize Dalzotto explica que “a diferença entre um aborto inevitável da menstruação se da pela maior quantidade de sangue”. Ou seja, o sangramento de um aborto espontâneo é geralmente mais abundante do que durante a menstruação.
No caso das mulheres que sabem que estão grávidas, uma ameaça de aborto geralmente apresenta um sangue mais escuro do tipo “borra de café”. Por fim, a gestante deve ficar em alerta quando “apresentar sangramento vaginal e cólica intensa tipo contração uterina, no 1° trimestre de gestação. Quando esses sinais e sintomas surgirem devem procurar orientação médica”.
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