O abortamento, mais conhecido como aborto, é a interrupção precoce de uma gestação antes que o feto seja capaz de sobreviver fora do corpo da mulher. Ele pode ocorrer de maneira intencional ou espontânea. Mas em ambos os casos é um processo doloroso para a mulher. O aborto espontâneo já foi tema de reportagem especial no Portal RSN. Por isso, o assunto hoje é o ‘intencional’ ou ‘induzido’.O tema, que gera polêmica sempre que discutido, divide opiniões. E, ainda hoje não há um consenso sobre o assunto. Criminalizado no Brasil, o aborto já é legalizado na maioria dos países desenvolvidos do mundo. Na América Latina, Argentina legalizou no fim de 2020 e decidiu que as mulheres têm direito a interromper voluntariamente a gravidez até a 14ª semana de gestação. O mesmo ocorreu no Chile em 2021.
Em pesquisa feita nos dias 12 e 13 de abril no Instagram do Portal RSN, 55% das pessoas que responderam a enquete afirmaram que são contra a legalização e 35% mostraram-se a favor. Enquanto 10% mantiveram-se neutras. A justificativa, na maioria das vezes (53%), relaciona-se com uma motivação religiosa e/ou moral. Já os favoráveis a legalização utilizam uma justificativa científica (41%) e entendem que é uma questão de saúde pública.
Contudo, dizer que é ‘contra’ ou ‘a favor’ da legalização do aborto é uma afirmação individual, já que muitas vezes, a base para essas opiniões é pessoal ou considera valores e crenças religiosas. Dessa forma, segundo especialistas, o diálogo sobre o aborto no Brasil deve ir além dessas opiniões. Isso porque, mesmo sendo crime ou ‘moralmente condenável’, o aborto ocorre todos os dias e faz milhares de vítimas todos os anos.
CRIME NO BRASIL
O aborto induzido é considerado crime contra a vida humana previsto pelo Código Penal Brasileiro desde 1940. Dessa forma, pode acarretar em detenção de um a três anos para a mulher que causa o aborto ou que dê permissão para que outra pessoa faça. Neste último caso, a pessoa que faz o procedimento pode pegar de um a quatro anos de prisão.
Quando o aborto induzido é provocado sem o consentimento da grávida, a pessoa que o provocou pode pegar de três a 10 anos de reclusão. Contudo, para a médica Sara Romera Sorrentino no ‘Dossiê Aborto Inseguro‘, a proibição não impede que os abortos continuem.
A ilegalidade é a causa provável de muitos óbitos e sequelas, pois a clandestinidade apenas piora as condições em que os abortos são feitos, agravando os riscos à saúde da mulher e dificultando o atendimento médico.
Conforme a Pesquisa Nacional de Aborto (PNA) de 2016, 20% das mulheres vão ter feito ao menos um aborto ilegal ao fim da vida reprodutiva. Ou seja, uma em cada cinco mulheres aos 40 anos vai ter abortado ao menos uma vez.
Além disso, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 47 mil mulheres morrem por ano em decorrência de abortos clandestinos. Enquanto isso, o serviço de saúde brasileiro gasta R$ 142 milhões por ano com curetagem e outros tratamentos para procedimentos mal sucedidos. No Brasil, o aborto está entre as cinco principais causas de mortalidade materna e relaciona-se a aproximadamente 5% do total das mortes.
LEGISLAÇÃO PROIBITIVA
De acordo com o ‘Dossiê Aborto Inseguro‘ os países da América Latina e Caribe estão entre os que possuem as legislações “mais restritivas à interrupção da gravidez”. Entretanto, ao mesmo tempo, apresentam um “grande número de abortos feitos em condições de clandestinidade”. Segundo a OMS, 21% das mortes relacionadas com a gravidez, o parto e o pós-parto nos países dessa Região têm como causa as complicações do aborto inseguro.
Mais de 90% dos abortos inseguros ocorrem em países em desenvolvimento na África, Ásia e América Latina. O Brasil, a Venezuela e o Paraguai estão entre os países com a segunda legislação mais proibitiva do mundo. Nesses países, o aborto só pode ocorrer no caso de risco direto e comprovado à vida da mulher ou caso ela seja vítima de violência sexual.
PRÓ-LEGALIZAÇÃO
Especialistas como a antropóloga Debora Diniz, professora da Universidade de Brasília, afirmam que o que mata as mulheres não é o aborto e, sim, a clandestinidade. De acordo com a OMS, um aborto é considerado inseguro quando feito em ambiente sem adequação para procedimentos médicos ou por pessoas sem competência necessária.
Esse é o caso do aborto causado por medicamentos como o Cytotec, que tem comercialização proibida no Brasil, mas circula no mercado ilegal. Esse produto é feito para prevenir úlceras no estômago e possui Misoprostol na composição, composto que pertence aos antiácidos e antiucerosos. Ele é contraindicado para mulheres grávidas ou que pretendem engravidar pois pode causar abortamento do feto.
Todas as vezes que temos uma regulação proibitiva sobre práticas que fazem parte da vida das pessoas, como é o caso do aborto, acabamos criando um mercado clandestino. E o mercado clandestino torna ainda mais inseguro o já imposto pela criminalização, porque as mulheres nem sequer sabem se estão usando o medicamento correto.
Diniz defende a legalização do aborto e afirma que “se trata de uma questão de saúde, e não de uma questão criminal”. Além disso, em 2020, a pesquisa ‘Aborto no Brasil: o que dizem os dados oficiais?’ mostrou que a maioria das vítimas fatais do aborto clandestino são meninas negras, menores de 14 anos e moradoras da periferia.
Dessa forma, pessoas favoráveis a legalização alegam que apesar de ilegal, o aborto continua ocorrendo e colocando a vida de mulheres e meninas pobres em risco. A defesa, neste caso, também é pela vida.
CONTRA A LEGALIZAÇÃO
Assim como os prós-legalização, as pessoas que são contra a mudança da lei também justificam a opinião com a ‘defesa da vida’. Contudo, neste caso, eles defendem a manutenção da vida do feto. Da mesma maneira que no recorte da pesquisa do Portal RSN, a maioria da população brasileira é a favor deste ponto de vista, ou seja, contra a legalização. Eles ainda criam grupos e protestam pedindo que o aborto torne-se crime também nos casos de abuso sexual.
De acordo com os contrários a legalização, a existência do ser humano ocorre a partir do momento da concepção. Por isso, o aborto também seria um ‘assassinato’. Além disso, a Convenção Americana de Direitos Humanos, conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, dispõe no art. 4º que toda pessoa tem o direito a vida.
Esse direito deve ser protegido pela lei. E, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente.
POLÍTICAS PÚBLICAS
Como há um consenso de ‘defesa à vida’ em ambas as partes, ainda há necessidade de que o assunto entre em pauta nas discussões. Já que as mortes continuam ocorrendo, especialistas defendem que há necessidade de políticas públicas mais efetivas. Como, por exemplo, de planejamento familiar e educação sexual, divulgando e tornando fácil o acesso a métodos contraceptivos.
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