22/08/2023
Cotidiano

Com criatividade “seo” Bertoldo transforma guarita em local de trabalho atrativo

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Quem passa pela Rua Visconde de Guarapuava nas proximidades do Grand Hotel e olha para dentro do estacionamento que ali existe se surpreende com uma guarita diferente que à primeira vista chega a ser confundida com uma barraquinha para venda de produtos diversos. Há espigas de milho penduradas, um vaso com samambaias que descem em busca do chão, pedras de cristal espalhadas pelo chão, cadeiras, relógio. Uma saca com milho e outra com ração estão à espera das 30 pombinhas que voltaram a sobrevoar o lugar onde há anos abrigava árvores nativas, pés de goiabeiras brancas.
“Isso aqui tudo pertencia dona Maria de Lourdes Dangui que tinha uma casa centenária aqui ao lado. Quando cortaram as árvores as pombinhas foram embora, mas agora estão voltando porque as alimento todo dia”, conta Reinoldo Alves de Lima, 73 anos, responsável pelo estacionamento.

Convencer “seo” Reinoldo a falar sobre os enfeites que tornam a sua guarita diferente não foi uma tarefa fácil, mas aos poucos, entre um cliente e outro, ele foi falando.
“Sou aposentado, mas trabalho para minha filha há seis anos”, diz. “Coloco as espigas de milho aqui porque milho atrai muita coisa boa. Gosto muito de plantas. Olhe, este pé de limão eu plantei aqui”, aponta.

Dentro da guarita, que já foi arrombada algumas vezes, a fé de “seo” Reinoldo se materializa. Ele mantém uma espécie de altar onde entre várias imagens e santinhos em papel, impera uma imagem pequenina de Nossa Senhora Aparecida.
“Esta imagem me acompanha há 50 anos. Eu carregava comigo no meu caminhão quando era caminhoneiro e nunca me separei dela. Comprei em Aparecida do Norte quando fiz aminha primeira viagem de caminhão”, assegura. Entre os santos e uma cruz de ferro que encontrou em meio à demolição da casa centenária, uma foto chama a atenção. “Este é o meu ídolo”, mostra com orgulho apontando para o presidente americano Barack Obama. “Você já imaginou um negro governando a maior potência mundial, os EUA”? questiona. “Ele merece estar aí”, diz.

A ROTINA DIÁRIA
Enquanto prepara o chimarrão, cujos ingredientes, traz de casa, “seo” Reinoldo vai contando como leva a vida. “Levanto às 5 horas todos os dias pra preparar o café, o chimarrão, o chá que trago. Mas o meu primeiro compromisso é às 7 horas quando vou à missa. Um dia ali na Catedral e outro nos freis. Aos domingos sou muito fã do Padre Manzotti. Você conhece? Assisto na tevê ,” diz.

Recuperando a sua rotina diária, “seo” Reinoldo diz que quando chega ao estacionamento as pombas já conhecem o fusquinha, ano 72. “Sou o segundo dono”, conta. Após guardar o fusca a quem chama de amigo e que comprou do médico pediatra Ubirajara Azevedo – o carro pertenceu ao seu pai – está na hora de dar milho e quirera aos pombos. “Para a quirera tenho a colaboração do Dr. Jean e o milho eu ganho”, conta com o olhar atento ao primeiro cliente que chega.

Aos poucos os carros vão chegando e lotando o estacionamento. “Seo” Reinoldo recepciona cada um que chega, age como manobrista. Conhece cada placa de carro e cada dono. Quando ouve algum barulho estranho no motor sugere que o veículo seja levado à oficina. “A minha vida é assim de segunda a sexta porque no sábado tenho que dar uma assistência à ´véinha´”,diz referindo-se à sua esposa, dona Dinorá com está casado há quase meio século. No ano que vem vamos completar 50 anos de casado”, diz orgulhoso do seu relacionamento conjugal.

O SENTIMENTO
“Eu tenho um sentimento no meu sobrenome porque falta o Silva. Gostaria de ter o sobrenome de Luiz Alves de Lima e Silva, o Patrono do Exército Brasileiro”, diz dando continuidade à conversa. De repente “seo” Reinoldo para, se emociona e desabafa. “Eu não conheci a minha verdadeira. Quem me criou foi a madrinha Hermínia Silla, era uma lavadeira de roupa. Uma mulher muito sofrida. Quando meu outro irmão nasceu eu ainda engatinhava . Minha mãe deu eu e uma vaca de leite e eu nunca mais a vi. Olha aí, eu nunca contei isso e você me fez falar”, diz enquanto passa as mãos nos olhos cheios de lágrimas.

Dos irmãos, apenas um está vivo e mora em Curitiba. “A gente tem contato, mas eu queria tanto era ter conhecido a minha mãe verdadeira. O meu pai eu conheci. Quando ele me procurou porque ela queria me ver. Eu já era casado e como viajava muito quando voltei ela já tinha falecido, mas foi uma mãe que nunca esqueceu o filho”, consola-se.

Desde cedo a vida foi dura para “seo” Reinoldo. “Comecei a trabalhar aos 8 anos de idade. Caí muito cedo na vida, mas nunca me perdi. Sou muito grato e devo muita obrigação ao senhor Anildo Carlo, filho do José Carolo que me acolheu quando precisei, me ensinou uma profissão na oficina mecânica de onde parti para a estrada. Hoje estou aqui, aposentado, mas continuo trabalhando”, levantando da cadeira com a pranchetas nas mãos para atender mais cliente.

Cristina Esteche

Jornalista

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