Com um saco de roupas em uma mão e com a outra segurando as mãos da filha de quase dois anos, Jocélia Ribeiro voltou a Guarapuava há 18 anos. Após passar por uma separação conjugal em São Miguel do Iguaçu no Sudoeste do Paraná, a guarapuavana decidiu retornar para a cidade natal e precisou recomeçar. O recomeço não foi fácil, mas agora ela e a filha celebram a vitória de comprar a casa própria. No caso, um apartamento.
Mas em 2005, Jocélia estava sem casa e sem emprego. Ela tinha apenas um saco de roupas, e decidiu que iria criar sozinha a filha Sabrina Cavalheiro Ribeiro do Nascimento.
Nunca tive uma casa, eu e o pai dela nunca conseguíamos construir algo. Chegamos a morar em um quartinho e para lavar louça eu usava uma bacia, em cima de uma prateleira. Quando eu vim embora para Guarapuava, eu não trouxe nada, eu não queria nada do passado. Eu só peguei a roupa e a Sabrina. Foi bem difícil! Cheguei a entrar em depressão e emagreci muito. Imagine, separação, vim pra cá, a Sabrina pequeninha e sem saber o que ia fazer da minha vida. Não tinha onde morar, e nem sabia se minha mãe ia aceitar e estava com vergonha, não era meu plano. No meu pensamento eu queria casar, ter filhos e viver o resto da vida. Mas não deu certo.
Em meio ao desespero, ela precisou morar de aluguel com a irmã no bairro Cascavel. Mas na casa não tinha banheiro e nem água encanada. “Tinha que pegar água no poço, muito perigoso. E o fogão era a lenha”. A mãe dela morava na rua de cima, em uma área de invasão. O terreno pertencia à família da Jocélia, mas não tinha documentação e ficava em um banhado. Por conta da condição financeira, a família decidiu construir duas casas de madeira no local. A construção não tinha banheiros e o banho era de ‘canequinha’. Sabrina conta que logo que a mãe e a filha chegaram, a casa da avó pegou fogo.
Fomos morar de aluguel com a minha tia na rua de trás da casa da minha avó. Um dia vimos uma fumaça e pensamos ‘está pegando fogo em algum lugar’. Nisso vieram nos avisar que a casa da minha avó estava sendo incendiada, minha tia colocou fogo na casa por vingança do meu tio. Minha avó chegou a entrar na casa para pegar algumas coisas, como documentos e cobertores. Mas o fogo consumiu a casa inteira e parte da outra. Chorei e até hoje tenho pavor de gás.
MAIS UM RECOMEÇO
Hoje a família perdoou a nora e o incêndio não deixou feridos. De acordo com Sabrina, o dinheiro do seguro da casa ajudou a avó a construir duas casas de pré-moldado. Uma para ela e outra para a Jocélia e a filha. Só que a quitinete não chegava a ter 40 metros quadrados, nem geladeira elas podiam ter, pois ocupava muito espaço. Nesse momento, a Jocélia ainda estava desempregada, e logo depois ela começou a trabalhar como zeladora.
Além disso, o lugar era perigoso e quando chovia, Jocélia lembra que não conseguia dormir. “Tinha chance de destelhar a casa e o local fica em uma ‘panela’, no meio de duas descidas. A água poderia subir ali e eu passava a noite inteira pensando, chegava a ficar doente de tanta tensão”. Sabrina também conta que o medo de alagamento era aterrorizante.
Quando chovia, a casa alagava tudo, entrava água dentro de casa. Pra entrar, a gente tinha que entrar sem calçado, a água chegava a pegar no meu joelho. Aliás, uma vez já encontramos filhote de cobra. Uma vez a gente abriu a porta de casa, e tinha caído uma árvore na porta.
UM NOVO LAR
Mesmo nessas condições, Jocélia nunca deixou de sonhar. Ela trabalhou como babá, diarista, boia-fria, cortou grama e se tornou zeladora há mais de 10 anos, sempre com a esperança de um dia conquistar a casa própria.
As pessoas perguntam ‘como que você conseguiu?’, primeiramente foi Deus e eu fiz uma oração pedindo para que anjos em forma de pessoas me ajudassem. Não era uma questão de vaidade, era necessidade. Ele [Deus] sabia que estávamos em um lugar perigoso e colocou essas pessoas.
A mãe e a filha souberam do programa ‘Casa Verde e Amarela’, chamado atualmente por ‘Minha Casa, Minha Vida’. “Fui no banco e fiz tudo certo, conforme o que o banco pedia e sempre tive o nome limpo”.
Assim, elas conseguiram um financiamento acessível e puderam montar o lar do jeito que sempre sonharam. Emocionada, Sabrina conta que antes tinha vergonha de levar os amigos em casa e que sempre sonhou em ter o próprio quarto.
Nunca pensei que teria um quarto só pra mim, eu e minha mãe dormimos juntas a vida toda. Eu achei que ia ter um quarto, quando casasse. Mas minha mãe sempre me falava que esse sonho ia se realizar antes de eu casar. Agora eu quase não fico no quarto, fico na cozinha (risos). Na outra casa, não dava para cozinhar, agora eu posso.
Para Jocélia, a melhor coisa de ter um novo lar é algo que ela não tinha em uma área de invasão. “Hoje eu tenho paz”. Ao ser questionada sobre o que ela diria para as pessoas que têm este mesmo sonho, ela diz que há uma palavra-chave.
Eu digo para as pessoas que para sair de um lugar onde eu estava, tem que ter coragem. É necessário ter coragem e arregaçar as mangas para trabalhar. Todo dia levantar e agradecer a Deus que podemos trabalhar e correr atrás. Porque se a gente não tomar atitude, a gente não consegue. Se você não procurar ajuda e não falar com as pessoas, sofre por ficar calado e os outros não sabem do que precisamos. Eu me calava por vergonha, mas decidi não passar mais necessidade. Agora quando eu saio, é bom pensar “agora vou para minha casa”.
OCUPAÇÕES IRREGULARES EM GUARAPUAVA
De acordo com a Prefeitura, só em Guarapuava há 945 invasões e ocupações irregulares. Portanto, outras famílias passam pela mesma situação que a Jocélia e a filha enfrentaram. A Secretaria de Habitação e Urbanismo informou que nas invasões na rua Itararé, no bairro Jardim das Américas, e nos fundos do Loteamento Paz e Bem e do Caic há riscos de alagamento. Já de deslizamento de terra, somente a invasão do Guabiraba corre o risco.
Só no bairro Cascavel, tem 162 invasões, sendo que atualmente 149 têm numeração predial, energia e água. Mas a Administração Pública afirmou que há um processo de permuta da área em andamento. “A Secretaria de Habitação está trabalhando no processo de regularização, onde é possível e futuras realocações com o surgimento de novos programas habitacionais”.
Leia outras notícias no Portal RSN.