22/08/2023


Blog da Cris

Nunca a frase de Dom Hélder Câmara foi tão verdadeira

Padre Júlio Lancelotti é alvo de CPI na Câmara Municipal da cidade de São Paulo, proposta por vereador do União do Brasil

Padre Lancelotti (Foto: Agência Gov)

“Quando dou comida aos pobres, me chamam de santo. Quando pergunto porque eles são pobres, chamam-me de comunista”. A frase dita por Dom Helder Câmara lá em 1964 e citada pelo Papa Francisco na benção de Natal para a cúpula da igreja, no Vaticano, é muita oportuna. Só para contextualizar, dom Hélder era envolvido com causas sociais e foi um contraponto à ditadura militar.

Mas o Papa o citou para pedir “uma colaboração generosa e apaixonada no anúncio da boa-nova sobretudo para os pobres”. Não imagina ele que aqui, na maior megalópole da América Latina, ou  seja, em São Paulo, um padre, Júlio Lancelotti, viveria uma ‘via sacra’. Por que? Justamente por ajudar os miseráveis, principalmente, aqueles e aquelas que perambulam, esquálidos, feitos farrapos humanos tragados pela fumaça mortal do crack.

Enquanto a famosa Cracolândia expõe a fragilidade de um dos maiores problemas sociais do país, um vereador propõe a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara Municipal da cidade de São Paulo. A mira está focada no padre Júlio Lancellotti, além do Centro Social Nossa Senhora do Bom Parto, ligado à Igreja Católica, e do coletivo Craco Resiste. Ambos atuam junto à população em situação de rua na Centro da cidade paulistana. A investigação parte de supostas ligações entre o padre e as ONGs, conforme o propositor da CPI, o vereador Rubinho Nunes (União Brasil). Ele é um dos fundadores do MBL. O vereador já obteve assinaturas favoráveis à CPI, embora já tenha enfraquecido com desistências motivadas pelo envolvimento do nome do sacerdote.

A Arquidiocese de São Paulo já se manifestou em defesa de Júlio Lancellotti, por meio de nota enviada à imprensa e dá abre uma fresta nessa cortina de fumaça. “Perguntamo-nos por quais motivos se pretende promover uma CPI contra um sacerdote que trabalha com os pobres, justamente no início de um ano eleitoral?” O cardeal dom Odillo Scherer também saiu na defesa do padre. “Por que mirar no trabalho do padre Júlio, que não é ONG, não tem ONG e não recebe dinheiro público para seu trabalho?”. Movimentos evangélicos divulgam Carta Aberta em apoio a Lancelotti.

FACTÓIDE

O fato é que estamos em ano eleitoral e o ‘factóide’ político que se cria envolvendo Lancelotti é uma tentativa de Nunes protagonizar uma polêmica que gera mídia. Lembro também que há a tentativa de atrelar o padre à esquerda. Uma vez desqualificando-o há uma fragilização nos movimentos envolvidos, criando suspeições. A maior consequência vai ser a geração de discurso picante contra os candidatos a prefeito de oposição. No caso, Boulos (PSOL) que lidera a corrida contra o atual prefeito, e Tábata Amaral (PSB) que também concorre à vaga.

Assim sendo, pré-candidatos à reeleição, Ricardo Nunes (MDB) e Rubinho (União) querem atrair os eleitores conservadores e bolsonaristas. E cá entre nós, abrir uma CPI para investigar duas ONGs não teria a repercussão sonhada. Mas ao envolver Lancelotti como uma dos investigados a polêmica ganharia corpo, como de fato está acontecendo. Só um detalhe: esqueceram que a repercussão nacional da mídia, com a adesão de artistas e de outras personalidades favoráveis ao padre, representam um ‘tiro no pé’. Afinal, se o padre atua nesse ‘campo minado’ há 40 anos, por que só agora uma investigação? Hum! A intenção é realmente nebulosa e aí cabe uma reflexão sobre a frase de Dom Helder Câmara.

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Cristina Esteche

Jornalista

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