22/08/2023
Política

A mulher e o preconceito de gênero

"Pela primeira vez na história das Nações Unidas, uma voz feminina inaugura o debate geral: é a voz da democracia". Foi desta maneira que a presidente Dilma Roussef começou o primeiro discurso de uma mulher na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas.
Mais tarde, a presidenta completou: “divido esta emoção com mais da metade dos seres humanos deste Planeta, que, como eu, nasceram mulher, e que, com tenacidade, estão ocupando o lugar que merecem no mundo”.

 

Desde que assumiu a presidência, a primeira presidenta eleita na história do Brasil, Dilma Roussef, faz questão de ser chamada de “presidenta”, para destacar que o país vive uma época diferente, sob o comando feminino. Embora no dicionário, o feminino de presidente é presidenta, estamos tão desacostumados ao termo que ele ainda nos soa estranho.

 

Essa estranheza talvez seja motivada pela discriminação de gênero e poder que nos faz “acreditar” que cargos importantes como Presidente, Ministro, Governador, Prefeito, entre outros, possam ser exercidos apenas por homens.

Roger Fowler, em seu livro “Language in the News: discourseandideology in thepress” aborda o assunto, afirmando que o modelo construído socialmente é projetado através da mídia. São palavras e frases que servem para caracterizar pessoas e grupos sociais, criando rótulos, estereótipos.

 

Para comprovar o ponto de vista do autor, vamos relembrar um dos eventos midiáticos que reuniu milhões de pessoas frentes à televisão: o casamento real britânico entre Willian e Kate. No momento em que o casal saía da igreja, em imagens distribuídas em todo mundo, a comentarista política contratada para acompanhar a cerimônia aqui no Brasil, afirmava que a partir daquele momento, Kate iria se tornar uma das mulheres mais poderosas do mundo, pois acabara de se casar com o segundo na sucessão da coroa britânica. Mas, ao concluir seu comentário, deixa escapar algo que comprova como a mídia constrói imagens estereotipadas da mulher: “Kate será referência mundial em como se vestir”.

 

Mas não precisamos ir tão longe. Num jogo de futebol no mês de agosto, entre o Corinthians e o Ceará, uma matéria veiculada num famoso programa esportivo, que se estaca pelo estilo inovador, fala sobre o jogo fazendo diversas menções à beleza da bandeirinha chamada Nadine. São pérolas como: “olha como ela corre graciosamente em câmera lenta”; “aliás, ela é seria”; ou pior, quando o repórter pergunta: “você acha que em algum momento pode desconcentrar os jogadores com sua beleza?”. Ou seja, seu mérito não é ter conquistado um lugar notadamente masculino, mas servir como motivo para “embelezar” a partida, como um enfeite, um bibelô, como bem definiu brilhantemente Lola Aronovich, no blog http://escrevalolaescreva.blogspot.com/2011/08/reporter-em-busca-da-pauta-perdida.html.

 

E voltando à Dilma, a primeira mulher a discursar na Assembleia Geral da Onu, em entrevista concedida pela presidenta à Patrícia Poeta, na revista eletrônica Fantástico, nem a apresentadora conseguiu libertar-se das amarras dos rótulos que perpetuam o preconceito, ao perguntar, por exemplo, se a presidenta e as ministras conversam sobre filhos e netos durante suas reuniões de trabalho, como se mulher só tivesse este tipo de assunto para se dedicar, esquecendo a importância do papel que elas representam frente à administração pública federal.

 

A pergunta que fica é: será que se o entrevistado fosse Lula, Patrícia Poeta perguntaria ao presidente da República se ele e seus Ministros conversam sobre filhos e netos durante as reuniões de trabalho?
É inegável que os veículos de comunicação tratam de maneira diferente homens e mulheres, criando estereótipos e reforçando as relações de poder e domínio do mundo masculino sobre o feminino.
Cabe a nós leitores e leitoras, ler as notícias sob um enfoque mais crítico e tentar passar aos nossos filhos uma visão diferenciada do papel que as mulheres representam na sociedade atual, ou vamos continuar fingindo que apenas as que são obrigadas a usar burca são as realmente tiranizadas pelo mundo masculino.

 

Kátia Viviane da Silva Vanzini é jornalista, assessora de imprensa e especialista em estratégias a comunicação.

Cristina Esteche

Jornalista

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