22/08/2023
Cotidiano Cultura Thiago de Oliveira

Uni-vos!

Que há escritores, bons ou não, em Guarapuava, há. Mas onde?

Onde eu posso ler você? (Foto: Thiago de Oliveira/RSN)

A literatura não é uma arte tão espetacular. Não tanto quanto o cinema, a dança e a música. O consumo de artes que não exigem participação ativa é mais atrativo para a atual economia da atenção. Mas, sim, como tudo neste mundo, a literatura é uma mercadoria e faz parte do sistema espetacular: o capital em tal grau de acumulação que se torna imagem, conforme Debord.

No entanto, é difícil vender a imagem da literatura. Por isso as prateleiras de livrarias de shopping abundam Cafés com Deus Pai ou algum volume novíssimo da Rupi Kaur. A propósito, iguais à poeta indiano-canadense há milhares. Porém, para o bem ou para o mal, ela continua sendo o melhor exemplo de poesia instagramável. São versos (imagens) facilmente consumíveis. Cabem bem num story. Ninguém se demora num poema que diz: “todos nascemos / tão bonitos / a grande tragédia é que / nos convencem de que não somos”. São versos rápidos — não falo da quantidade de texto. Há uma mensagem genérica, geralmente de autoafirmação. Essa mensagem é versificada, embalada e exposta.

Baudrillard diz: “E, na própria velocidade, que estamos fazendo senão ir de um ponto a outro sem passar pelo tempo, ir de um momento a outro sem passar pela duração e pelo movimento? Ora, a velocidade é maravilhosa, o tempo é enfadonho”.

OK, E ENTÃO?

Tomo a liberdade, nas minhas colunas, de incorrer propositalmente no que se chama de nariz de cera no jornalismo: não vou direto ao ponto. Desta vez até tentei ser mais sucinto. Vamos lá: qual a relação entre o título e o que eu disse?

Os brasileiros leem pouco. Quem se aventura a escrever sabe que terá poucos interlocutores. O ponto é: editais de fomento cultural, localmente, ignoram a literatura em detrimento de áreas com maior visibilidade. Gestores culturais favorecerão projetos que sejam demandados e que apareçam, claro. É a lógica espetacular.

E a Secretaria de Cultura, que ganho político teria com investimentos em literatura? E os veículos de comunicação locais, teriam cliques com um caderno envolvendo a cena literária da cidade? Existe público para a crítica literária? Nem falo em suplemento impresso, me parece um sonho distante – e por isso destaco o Jornal Relevo, lá da capital.

A nossa Academia de Letras também é de Ciências e de Artes. Se fosse só de Letras não valeria a pena.

O que se valoriza aqui é mais a publicidade de, por exemplo, um livro lançado por um guarapuavano, por mais fraco que seja, do que a própria obra. Isso sim! Mais uma vez La société du spectacle: “O que é aparece é bom, o que é bom aparece.”

Se não podemos contar com políticas públicas, nem com plataformas locais, digitais ou impressas, o que faremos nós, escritores? Se a arte institucionalizada não conta conosco, não é exagero dizer que somos todos marginais. E que bom! Mas ficaremos mesmo restritos a nossos perfis pessoais nas redes sociais? Ao Substack, ao Medium? Onde eu posso ler você? E então formular um juízo sobre o seu texto? Escrachá-lo, se achar necessário. Encaminhá-lo para um amigo, se achar interessante.

Não o conheço, escritor. Onde você está?

Talvez o primeiro passo seja formar uma bolha. Fortalecer a nossa cena. Um portal, uma revista, uma plataforma; alguma circulação coletiva. Concursos, premiações. Precisamos ler uns aos outros, criticar uns aos outros. O hábito mais saudável em literatura é a crítica! E então furar a bolha. Fazer o nosso texto chegar nas calçadas, como queria Sérgio Sampaio.

Para romper com a lógica que diz que o que aparece é bom, é preciso primeiro aparecer.

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Thiago de Oliveira

Jornalista

Jornalista formado pela Universidade Estadual do Centro-Oeste. @tdolvr

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