22/08/2023
Blog da Cris Guarapuava

O sopro da liberdade e o punho da destruição

É o vento, o mensageiro da liberdade, o hálito que inspira a alma a voar. Mas neste mesmo sopro, há uma fúria avassaladora

Vento gerando um tornado (Foto: reprodução/Freepik)

Ele nasce do silêncio, um sussurro quase imperceptível na folhagem, uma carícia invisível no rosto. É o vento em sua gênese poética, o mensageiro da liberdade, o hálito que inspira a alma a voar. Em sua brandura, ele é a melodia que dança com as copas das árvores, o cúmplice dos amantes que se buscam no crepúsculo, o sopro que impulsiona as velas dos barcos rumo a horizontes desconhecidos. É a metáfora viva da impermanência, do fluxo contínuo que nos lembra que nada é estático, que tudo passa, que a vida é movimento.

Nessa face amena, o vento é artista. Pinta o céu com nuvens efêmeras, esculpe dunas no deserto e carrega o perfume das flores, tecendo uma tapeçaria olfativa que acalenta e conforta. É a voz da natureza no estado mais puro, um convite à contemplação, um chamado para que nos despojemos das amarras do cotidiano e nos entreguemos à leveza do ser. Quem nunca se sentiu livre ao sentir a brisa no rosto, como se todas as preocupações fossem levadas por essa força invisível?

Fúria invisível

Contudo, neste mesmo sopro que afaga, reside uma fúria latente, uma potência avassaladora capaz de se transmutar em um monstro indomável. O mesmo vento que embala o voo dos pássaros pode se tornar o algoz que arranca raízes centenárias do solo, o arquiteto da desolação que ergue o mar em ondas de fúria e arremessa contra a terra a sua ira salgada.

É a face cruel, a lembrança de nossa fragilidade perante as forças primordiais do planeta. O murmúrio gentil se converte em um uivo aterrador, um grito gutural que ecoa a destruição. Casas, antes lares de sonhos e risos, ficam reduzidas a escombros, testemunhas mudas de uma força que não conhece piedade. O vento, em ‘sua’ ira, não distingue o belo do feio, o sagrado do profano. Ele apenas passa, um rolo compressor de fúria cega, deixando para trás um rastro de caos e de dor.

Somos a dualidade

Essa dualidade desconcertante do vento nos obriga a uma reflexão crítica sobre a nossa própria natureza. Somos, por acaso, tão diferentes? Carregamos em nosso íntimo a brisa suave da compaixão e da criatividade, mas também a tempestade da raiva e do poder destrutivo. Em um momento, somos o sopro que inspira e eleva; no outro, a rajada que devasta e aniquila.

Assim, o vento se revela como um espelho de nossa existência. A poesia que traz reside não apenas na delicadeza da carícia, mas também na grandiosidade terrível da fúria. Ele é a liberdade indomável na expressão mais plena, uma força que tanto pode nutrir a vida como ceifá-la em um instante. E a nós, resta a humilde tarefa de aprender a dançar conforme a melodia, seja ela uma suave balada ou uma sinfonia ensurdecedora de destruição, reconhecendo no sopro do vento a dualidade que também nos define.

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Cristina Esteche

Jornalista

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