22/08/2023
Blog da Cris Guarapuava

Do júri da ‘honra’ à repressão na Vila Concórdia

O medo cotidiano, a justiça do júri e a morte em repressão policial, Guarapuava espelha o ciclo vicioso da violência estrutural brasileira

'Vermeio' e viaturas da Polícia Civil na Vila Concórdia (Foto montagem: Henrique Agliardi/ RSN)

A violência no Brasil é um tecido que se costura em níveis distintos. Ou seja: o crime passional, a ação repressiva do Estado e a fragilidade da nossa justiça em lidar com a honra e a vida. Em Guarapuava, o passado recente, nessa terça (4), marcado pelo julgamento de Rodrigo Neumann Pires, o ‘Vermeio’, e o trágico confronto policial na Vila Concórdia, oferece um espelho sombrio das tensões que nos assolam. A situação ecoa o debate nacional, frequentemente aceso por operações no Rio de Janeiro, onde a linha entre segurança e chacina parece tênue.

Entendo que os fatos locais recentes pintam um quadro de crises múltiplas, onde o medo do cidadão comum se choca com a resposta repressiva do Estado. Vamos aos fatos. A pressão pela segurança pública é incessante e legítima. Enquanto o debate se concentra em mortes em confrontos, a população vive sob a sombra de ocorrências diárias. Guarapuava, assim como muitas cidades, enfrenta a escalada de furtos, roubos e assaltos, situações que frequentemente envolvem a tomada de famílias como reféns. Aliás, uma reflexão feita pelo juiz Mario Trindade Dantas após a leitura da sentença de ‘Vermeio’.

Esse medo é palpável, justifica a demanda por ações policiais mais duras e serve de pano de fundo para as operações ostensivas. É nesse ambiente de insegurança cotidiana que a repressão policial ganha apoio popular, mesmo quando há métodos questionáveis por algumas pessoas.

 A CULTURA DA HONRA

Em um espectro diferente, mas igualmente violento, temos o julgamento de Rodrigo Neumann Pires, o ‘Vermeio’. A comoção nas redes sociais defendendo o réu por ter supostamente agido em “defesa da honra” após um tapa no rosto, expõe o profundo enraizamento de códigos patriarcais. A indignação se inverte: em vez de condenar a desproporcionalidade fatal com as mortes de um casal de segurança, parte da sociedade debate a legitimidade da agressão. Isso reflete a banalidade da vida humana quando confrontada com a rigidez de códigos morais obsoletos.

A comoção popular também se estende aos mortos pela polícia. Comentários questionam a disparidade entre a estrutura da Operação e os jovens que foram mortos. Há, portanto, pesos e medidas.

A REPRESSÃO QUESTIONADA

A operação integrada na Vila Concórdia, que resultou na morte de três jovens durante o cumprimento de mandados contra tráfico e receptação, ilustra, portanto, o custo humano dessa demanda por segurança. Para críticos, contudo, operações de grande porte como a Missão Paraná III, que envolvem grande aparato policial, são frequentemente vistas como tendo um cunho político. Seria uma demonstração de força do Governo do Estado antes de estabelecer soluções estruturais.

Enquanto a Polícia afirma que houve resistência armada, o fato de três vidas terem sido perdidas em uma ação que visa combater o microtráfico, que se alimenta da própria desigualdade social, força uma reflexão: a violência estatal, justificada pelo medo gerado pela criminalidade comum, apenas perpetua o ciclo de letalidade, como já vimos em contextos mais amplos, como o Rio de Janeiro.

O BRASIL PRESO NO CICLO

A cultura da violência no Brasil é, portanto, um sistema autoalimentado. A desigualdade e o medo geram crime, o Estado responde com força que resulta em mortes. Enquanto a sociedade debate se a violência, seja de um cidadão ofendido ou do policial em confronto, é, por vezes, uma resposta ‘legítima’. A única saída sustentável passa pela desconstrução dessas lógicas em todos os níveis, começando pela valorização da vida acima de qualquer retórica de ‘guerra’.

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Cristina Esteche

Jornalista

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