22/08/2023
Blog da Cris Guarapuava

Entre o firmamento e a mata

Na noite de Natal, o meu olhar se divide entre o zênite, a distância e o horizonte. No alto, a Estrela de Natal é a metáfora da imortalidade

Estrela de Natal (Foto: IA)

O Natal, para além das convenções sociais e do barulho das metrópoles, revela-se para mim como um fenômeno de luzes discretas. Enquanto o mundo se debate em embates ruidosos e as pessoas se recolhem, muitas vezes por cansaço de uma humanidade que desaprendeu o diálogo, eu encontro o meu balanço nas margens da mata que abraça a minha casa.

Na noite de 25 de dezembro, o meu olhar se divide entre o zênite, a distância e o horizonte. No alto, a Estrela de Natal é a metáfora da imortalidade. É a luz fixa do meu neto Lorenzo, o brilho que não se apaga e que guia o meu espírito para longe das vaidades terrenas. Mas, ao baixar os olhos para a mata, encontro uma constelação terrena: os vagalumes.

Eles flutuam entre as sombras das árvores como pequenas preces acesas. Se a estrela é a memória que eterniza e conduz, o vagalume é a vida que insiste, o lampejo de beleza no meio da escuridão. Eles iluminam a mata com a mesma delicadeza que os amigos ausentes iluminam a minha história. Amigos que partiram, outros que vivem longe, mas que, como esses pequenos seres, deixam rastros de luz gravados na retina da minha alma.

OLHAR DISTANTE

Nesta noite de 25 de dezembro, o meu olhar atravessa o horizonte. A vida, em sua ironia geográfica, colocou um oceano entre nós. Em outro mar, meu filho, minhas netas e meu neto vivem sob outra luz, mas sob a mesma estrela. Essa distância física não é um abismo, mas uma extensão da nossa espiritualidade; a prova de que o amor atravessa as correntes marítimas sem se afogar.

Uma distância de águas profundas que separa os corpos, mas não as essências. A Estrela de Natal, fixa no céu, torna-se a nossa única ponte. É a luz que viaja para unir o que o mapa insiste em afastar. Por outro lado, aqui, no meu oceano, a reclusão se transforma em comunhão. Tenho ao meu lado meu companheiro, filha, genro, neto e  neta, além dos amigos que se tornaram família. Juntos, formamos uma ilha de paz. Enquanto há pessoas lá fora reclusas em seus rancores e telas, nós estamos reclusos no nosso abraço.

FECHO PRA BALANÇO

E é nesse contexto conturbado onde tudo que se diz é julgado, que decidi me despojar das armas do intelecto. Hoje não há mais lugar para as críticas ferinas, para os confrontos políticos ou para a urgência de provar qualquer verdade ao mundo. O meu balanço de Natal é feito de silêncio. Fecho as portas para o ruído externo para poder escutar o som da mata e o pulsar dessa luz intermitente que me rodeia.

A reclusão que vivo hoje não é um exílio, é um santuário. Estar recluso é, na verdade, estar intensamente presente onde a vida realmente acontece: no ciclo das estações, no brilho da saudade e na espiritualidade que dispensa plateia.

Neste cenário, onde a mata é o meu templo e o céu é o meu mapa, o Natal recupera o sentido mais profundo. Despe-se o consumismo e sobra a comunhão. Uma comunhão feita de ausências presentes e de luzes miúdas.

Que a força dessa estrela que brilha no céu e a dança desses vagalumes ao redor de casa sejam os meus únicos juízes. Retiro-me dos combates mundanos para me perder, e me encontrar nessa luz que não queima, mas aquece; que não grita, mas brilha. O balanço está fechado. O saldo é a paz.

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Cristina Esteche

Jornalista

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