22/08/2023

Victor e as laranjas

As poucas pessoas que me conhecem bem sabem o quanto dou valor a amigos verdadeiros. E essas mesmas poucas pessoas conhecem minha teoria do egocentrismo do ser humano, de ser acima de tudo e de todos. E, por fim, sabem também que vejo simplicidade em tudo e em todos. Entrevistar um analfabeto ou um PHD em Harvard tem o mesmo significado pra mim, pois a mensagem que será passada tem que ser a mesma e deve, obrigatoriamente, ser entendida e compreendida por todos.

Demorei muito tempo para criar coragem de escrever sobre Victor Emanoel Folquening. Meu calouro na universidade, criamos um laço de amizade muito forte desde o primeiro contato que tivemos. Eu tive que descascar uma laranja pra ele enquanto almoçávamos no Restaurante Universitário (ou simplesmente RU), pois ele não conseguia.

Minha teoria sobre o Victor sempre foi que a sua inteligência era tamanha que não dominava o seu corpo. Ele era capaz de discutir qualquer assunto, desde a criação do mundo, religião, esporte (mesmo não sendo adepto), música, enfim, qualquer tema era facilmente dominado por ele. Mas era incapaz de descascar uma laranja.

O Victor era o tipo de pessoa que não mandava recado. Uma vez tentei provar pra ele minha teoria de luminosidade para a fotografia. Tirei 36 fotos (no tempo do filme era o máximo que eu podia tirar, pois o orçamento era curto) de uma mesma árvore, rodeando-a e analisando os pontos luminosos e o resultado sobre a sensibilidade do filme que eu estava usando. Todo empolgado contei da minha descoberta: o mesmo objeto pode ser fotografado com centenas de pontos luminosos diferentes no mesmo instante. Ele ouviu atento e ao final da minha explanação empolgante, ele me trucidou dizendo: “você virou viado?”. Sei que a frase não teve o sentido literal, mas ele questionou minha análise empolgada. Ele acreditava que as defesas mais frias e centradas eram as que davam melhores resultados.

Assim era o Victor. O Benet, chargista da Gazeta do Povo, tem muito mais propriedade que eu pra falar do Victor. Mas quando se perde um amigo, não há como de se deixar passar em branco.

Mas o dia 31 de janeiro de 2012 passou em branco pra mim. Fui um dos primeiros a receber a informação. Imbecilmente, o Victor morreu atropelado por um biarticulado em Curitiba. Mas, e se ele tivesse tomado mais um café? Ou lido mais um capítulo do livro de jazz? Ou se simplesmente tivesse tentado descascar uma laranja? Com esses segundos que teria ganho o ônibus teria passado. O que mais dói é tentar imaginar a expressão, a agonia, o desespero daqueles segundos. O cérebro agiu rapidamente e o tirou dali em fragmentos de segundos, mas o corpo não reagiu.

Perdi um amigo fisicamente. Mas, quem me conhece também já ouviu minha teoria da imortalidade. Quem deixa uma obra, seja qual for, ou um ato de bem, seja a quem for, não morre. Conquista a imortalidade. Também nessa teoria ele lançou sua crítica destrutiva: “que imbecil”, disse ele. No fundo, eu sabia que ele respeitava a tudo e a todos e que aquele era seu jeito de dizer: “beleza. Não me importa o que pensem, mas me importa que pensem”.

E o “Super Pousers” como fica? Cristian Rizzi deve ter tido o mesmo sentimento de perda.

Enfim, escrevi isso pra que um dia alguém encontre esse texto e procure informações sobre o Victor. Ele merece. (Victor Emanoel Folquening – 1973/2012).

http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?id=1218697

Cristina Esteche

Jornalista

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