22/08/2023

É preciso renascer com a primavera!

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É muito estranho quando você protagoniza as coisas que costuma noticiar. No último sábado (21) fui fazer matérias no interior do município de Turvo onde a chuva de granizo danificou mais de uma centena de casas. O Orlando, companheiro como nunca, foi junto.  Em cada casa que chegávamos víamos o desespero das pessoas. O drama era o mesmo de quem tinha perdido quase tudo e tentava salvar o pouco que restou. As lágrimas que rolavam banhando a face das mulheres e o olhar desesperado dos homens perante a cena  da destruição  compunham o retrato da desolação.

Durante o retorno para casa, enquanto a chuva batia fortemente no vidro do carro perguntei ao Orlando qual seria a sensação de perder o que foi conquistado durante uma vida ao ponto de levar as pessoas às lágrimas, ao desespero. Ele me respondeu que cada um sabia da sua dor, da luta, do sacrifício que cada um  fez para adquirir o que tinha e que se tratava do sonho das pessoas. Durante o trajeto até a nossa casa, a Morada da Lua, no Jordão, vim pensando em tudo o que tinha presenciado. Sempre faço isso quando saio fazer matérias  nesse estilo. Sempre me questiono como pode a natureza que tudo nos dá, de repente, como num sopro, literalmente, leva com tudo, joga para o alto.

Tão logo chegamos em casa agradeci ao Deus da minha fé pela casa maravilhosa, limpa pelas mãos e pelo zelo da Aurora, cheirando a incenso; pelo lugar privilegiado. Sentei à vontade e continuei o meu trabalhando tentando repassar um pouco da realidade que tinha me deparado há horas. Quem sabe desse jeito poderia contribuir para mostrar aos políticos a realidade do povo, daqueles pessoas que mais precisam do chamado poder público.

Fui até a janela, olhei para todas as árvores plantadas ao redor; o  bosque que o Orlando plantou com tanto esmero, bem do jeito que ele planejou. Cada árvore, cada flor, tudo foi plantado pelas suas mãos depois também pelo Victor; agora a Sophia também planta, o Lorenzo se delicia,  o Leon e o Thales  também vão dar a sua contribuição.

Com esse devaneio, a  noite veio e trouxe com ela a chuva, depois o vento. Achei que vinham para se despedir da última noite de inverno e deixar que o sol saudasse o primeiro dia da primavera, contrariando as previsões.  A noite passou e às 6 horas da manhã, ainda dormindo fui acordada pelo barulho do vento (Epahey Oiá, em saudação à Iansã, orixá dos ventos e das tempestades). E ele, o vento majestoso, chegou “varrendo”, destruindo o que tinha pela frente e parte da casa foi para os ares. Não sobrou nenhuma viga, nenhuma tábua. As árvores que não se dobraram, foram quebradas ao meio; as que resistiram, retorcidas; outras, arrancadas com raiz. Como num bailado insano, o vento foi, rodopiou, se  retorceu, grunhiu, “varreu”, voltou, se foi e deixou que a chuva caísse com toda a sua força, como se lavasse as dores e os desamores.

Em menos de um minuto a cena mudou; parte da casa deixou de existir num piscar de olhos. Não sentei e não chorei. Pelo contrário. Eu e o Orlando nos olhamos e começamos a rir, até que ele lembrou que naquele momento eu poderia responder a minha própria pergunta. Qual é a sensação? Ainda não sei responder.  Não sei se um dia terei essa resposta.  Juntamos as roupas espalhadas pela casa, penduradas por todo o canto; salvamos o que pudemos; fechamos a porta e saímos. Eu fui trabalhar, o Orlando foi junto registrar os destroços em várias partes da cidade e pudemos ver que nada, mas nada se igualava com o que tinha acontecido no nosso chão sagrado, com cada tijolo assentado um a um, com cada prego que fixou um pedaço dos nossos sonhos.  Ouvimos vários relatos e os protagonistas sequer sabiam que nós também vivenciávamos a mesma experiência.

Na manhã desta segunda feira, saí com a Luana ver pedreiro, material de construção, essas coisas. Ela me olhou e disse que a “minha ficha” ainda não tinha caído. Prá  falar bem a verdade, não sei se tenho alguma ficha pra cair. Não sei se isso é desapego ou que é. O fato é que estou acostumada a recomeçar sempre e em vários sentidos. Talvez seja isso, mais uma recomeço, uma  nova reconstrução da minha, das nossas vidas. A nossa relação, minha e do Orlando, com a natureza, o amor e o respeito que temos com os nossos deuses, guardiões da mata, do mar, dos ventos, das tempestades, dos rios, nos faça entender muitas essas reações naturais. Não é o vento que destrói, é o homem que devasta de todas as maneiras. Destrói a moral, os princípios, a ética, os poderes constituídos pelos direitos da pessoa.  Confesso que à vezes, canso Aliás, acho que estou sendo uma mulher cansada, mas a força que recebo do Diego e da Luana, meus filhos; a amizade da Luka e do Victor; o exemplo de superação, de alegria e de amor à vida que o Lorenzo nos dá a cada dia; o sorriso do Leon; a vivacidade da Shopia e do Thales, que são a continuidade da minha vida e a solidariedade os amigos me revigoram e me dão forças para continuar a luta.

Quanto ao que aconteceu com a minha casa e do Orlando, que também é o refúgio dos nossos amigos, prefiro entender que o vento varreu todas as energias negativas, levou tudo o que poderia haver de ruim e escolheu o último dia do inverno e o primeiro da nova estação  para que possamos renascer com a primavera.

 

Cristina Esteche

Jornalista

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