22/08/2023

E por falar em cultura…

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Mário Wolf, meu amigão do peito há pelo menos 40 anos, já foi candidato a vereador, motorista de caminhão, mas o que ele sempre desejou, e foi, é ser cantor de pop-rock. Com o Sérginho da Matta também já se passaram quatro décadas, mesmo tempo de convivência com o Baixinho e o Marcelo Wolf, irmão do Mário, que se tornou um locutor de programas musicais em FM. O Baixinho, na última vez que o vi, deu-me suas bençãos no Calcadão da XV; é pastor evangélico. O Sérginho da Matta dispensa grandes apresentações, é músico de mão cheia, instrumentalista eclético, produtor musical, dono da gravadora de maior sucesso na região, e também se entregou de corpo e alma a Jesus Cristo.

Tenho em comum com essa galera uma passagem da infância que conseguimos realizar. Entrei meio que de metido no “Voo Livre”, que pode ser considerada a primeira banda de Guarapuava a gravar um video-clip para a televisão, uma brecha para deixar os bailinhos e festas de 15 anos e encarar um show no antigo Cine Jeanne ao estilo dos monstrons sagrados do rock. Digamos que só no “estilo”… O André Guedes, guitarrista exímio, fez uma pequena incursão naquela noite abusando da inspiração – arremessou uma guitarra contra a parede, minutos antes do espetáculo começar. Era a única guitarra que ele tinha. Mas, tudo bem, se queremos ser parecidos com os nossos ídolos, façamos o que é mais fácil.

Ainda temos o Marcos Bebici, mas eu sou de outra época. E sinto-me imensamente feliz pelos meus irmãos, contemporâneos do Bebici, por saber que um músico tão talentoso conseguiu transformar o tempo num mero detalhe astral, e prosseguir com sua jornada terrestre pelas ondas sonoras. Recordo-me, vagamente, dos “Monzas”, eram infernais, contam-me. Obra de Hermes Kaminski e uma troupe que não sei detalhar (fica para uma próxima ou para ajuda dos leitores). E, ainda, o Mauro Temoscho, crouner nº 1 dos saraus no antigo “Clube Operário”.

Tem aqui um bemol de saudosismo. Os pais do Mário Wolf tinham uma paciência incalculável. Não sei como suportavam cinco moleques num laboratório musical instalado no porão da casa, as caixas no último volume, no mínimo quatro horas ininterruptas de ruído. Vizinhos da Rua Rio de Janeiro, no Bairro dos Estados, também mereciam medalhas de heróis. E nós, pela teimosia de sonhar com um espaço cultural permanente, um escape para a cultura gauchesca que tinha total privilégio no apoio oficial do Município e nas emissoras de rádio. Nada contra a música gaúcha, tudo a favor da diversidade cultural, ampla, geral e irrestrita.

Ainda hoje pego-me a visitar o Sérginho da Matta nos inícios de madrugada, quando o estúdio está vazio, com alguma proposta poética debaixo do braço. Brincamos, como era nossa brincadeira o “Voo Livre”. O Sérginho faz coisa séria. Graças ao seu talento, somado ao de outros tantos, centenas de músicos, profissionais ou quase lá, conseguiram gravar seu CD. Chegue lá com uma ideia na cabeça, um pouco de coragem, e o da Matta põe bateria, violão, guitarra, piano, gaita e ainda faz o coro.  

Guarapuava continua almejando seu espaço permanente, aberto, democrático, para a expansão da arte. A cultura de rua, com as cores ganhando os espaços públicos e privados, a poesia declamada pelo Escovão (Küster), o fordúncio do Polaco Leiteiro na mistura politicamente correta com a gastronomia regional no inesquecível “Bolicho Milk Man”. Do Fernando Gravon, quando ouvíamos Jetrho Tull e rabiscávamos os livros de Fernando Pessoa, Ferreira Gullar e Pablo Neruda. Das aulas de música com o inesquecível Guiné na Banda Municipal. Do encantamento que sempre tive das pinturas no teto da Catedral Nossa Senhora de Belém. Do Adriano com seu violão nas noites da boatinha do Atalaia. Das histórias rocambolescas (de personagens reais de Guarapuava) relatadas pelo Nikon Tembil nas tardes de sábado no Samurai, encerradas com a xaranga do Milton, irmão do meu cunhado Orlando Silva. Do grupo “Cheiro de Terra”, de prosa/poesia/artes visuais, dos festivais de música de outrora, da rebeldia nos movimentos estudantis expressa em música e versos.

Como é que não vou ter saudades disso tudo?

Cristina Esteche

Jornalista

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