22/08/2023

O pauloleminski é um cachorro louco

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O Paulo apareceu na minha vida dentro de uma apostila de literatura do terceirão. Se não tivesse passado por tantas sessões de desapego com medo de virar uma acumuladora, talvez ainda a tivesse guardada em algum lugar. No texto pré-vestibulando, ele era apresentado como poeta paranaense nascido em 1944 e falecido, de cirrose, em 1989. Tinha uma caricatura: ele, de bigodes fartos e óculos. E um poema simples, no meio da página:

Isso de querer

Ser exatamente

Aquilo

Que a gente é

Ainda vai nos levar além

Há escritores bons em descrição de lugares, outros na transcrição de sensações e emoções. Mas há uma casta superior deles, que eu classifiquei de ‘tradutores do mundo’. São aqueles caras que transformam em palavras os desassossegos que você tem no peito, mas não sabe nem por onde começar. O Paulo Leminski Filho, curitibano até o último fio de bigode, poeta, jornalista, publicitário, professor, judoca, músico, apreciador de vodca até as últimas conseqüências foi [é!] um desses tradutores. Vejam esta belíssima tradução de dissabor sentimental:

o amor, esse sufoco,

agora há pouco era muito,

agora, apenas um sopro

 

ah, troço de louco,

corações trocando rosas,

            e socos

Os livros de poesia, com destaque especial para o incensado “Toda Poesia”, lançado em 2012, deixa claro que seu legado poético fala [grita] por si só e está mais do que legitimado.

É outra vertente, contudo, que me tem chamado atenção: Paulo Leminski foi um grande linguista, que desde menino se correspondia em latim com o monsenhor do Mosteiro de São Bento, onde viveu no início da adolescência. Essa facilidade em aprender e compreender línguas o permitiu explorar recursos sofisticados da linguagem, passeando com facilidade entre o erudito e pop. Desta linha de produção extra-poesia, falarei sobre 2 livros.

Vanguardista por natureza, dedicou 8 anos a escrever aquele que foi seu primeiro livro publicado, o mais incomum e literariamente rico deles: a prosa experimental Catatau, de 1975.

Toda a verve verborrágica do polaco preto louco se derrama numa musicalidade de dar nó na lógica. A trama trata da fantasiosa chegada do matemático e filósofo francês René Descartes [ou simplesmente Cartésio] à Pernambuco do período colonial. Perdido em terras tupiniquins, Descartes/Cartésio passa dias de desbunde junto a seus amigos, os índios toupinambolts, se maravilhando com tamanduás e preguiças.

Não é leitura que flua fácil e também não há que se enganar que o que prende é o enredo. Enredados ficamos nas sonoridades leminskianas, um pouco diferentes dos haikais tantas vezes replicados nas redes sociais. Em Catatau teremos contato com o Leminski preciosista, transbordando palavras para nos tirar do marasmo.

Para fechar, o conjunto de biografias “Vida”, que foi um dos meus livros das férias, deliciosa companhia em fins de tarde calorentos dos primeiros dias do ano 🙂

Os personagens são bastante diferentes, tendo em comum o arrojo que os tornou biografáveis para o autor, que tenta recontar fatos, compreender atos e preencher hiatos nas vidas do poeta catarinense Cruz e Sousa, do mestre zen, andarilho e poeta japonês Bashô, do líder espiritual, fundador e ícone do cristianismo, Jesus e, para fechar o quarteto, o líder revolucionário russo Trótski. Cada qual visto sob a ca-ótica de um escritor tão versátil quanto genial. Único.

E você, tem algum poema/livro preferido do Leminski? Conta aí.

Ps: O texto ficou longo, eu sei. Mas se você quiser adicionar 28 minutos de interessância pura à sua vida, aperte o play:

http://www.youtube.com/watch?v=zkl57-hC3ko

Ps2: a todos que leram, repercutiram e declararam apoio ao projeto do blog: gratidão, de coração [rima é meu vício. Flerto com a cafonice mas não perco o trocadilho, essas coisas. Chega por hoje, tchau!]

 

 

 

Cristina Esteche

Jornalista

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