22/08/2023

Vidas em livros.

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Estas mãos escrevem a história da música – há mais de 50 anos!

Gosto de ler biografias mesmo sabendo que elas envolvem questões delicadas: o que pode ser dito sobre uma vida vivida publicamente? De que forma se pode controlar o que é dito sobre alguém? Será que é possível maquiar fatos quando informação se disseminam à velocidade da luz?

Os dois livros de hoje seguem a mesma linha, mas são de duas vertentes diferentes. O primeiro é sobre um ícone histórico e espiritual que dispõe de mais de um século de material para consulta.

Em Gandhi, Ambição Nua [de Jad Adams], são acrescentados alguns retalhos ao mito do ‘iluminado’. A biografia expõe um Gandhi contraditório, envolto em nebulosas questões pessoais, obcecado por padrões restritivos com a própria alimentação e castidade [ainda que com conceitos bem mais flexíveis para esta]. Cruamente humano, enfim.

Ter vivido algumas contradições morais – especula-se que para domar seus impulsos apreciava dormir próximo a várias mulheres nuas, incluindo suas sobrinhas-netas bem jovens, não tira dele o mérito enquanto figura histórica e grande transformador da Índia de toda uma época.

Esta é contradição que talvez precisemos aceitar: será possível admirar os feitos de um homem moralmente dúbio? Não somos todos essencialmente dúbios?

O segundo livro é uma autobiografia. Escrita [ou supervisionada] pelo próprio personagem do livro que, em particular não teve nada de comedido, casto ou controlado: Keith Richards, guitarra e alma dos Rolling Stones abre o coração num livro sucintamente entitulado Vida. Ali conhecemos o menino inglês que descobriu através do blues norte-americano que queria ser músico e acabou fazendo muito mais do que isso: mudou a história da música quando, aos 15 anos, encontrou um outro inglesinho magricelo chamado Mick Jagger numa estação de trem, com discos do Muddy Waters debaixo do braço.

Pleased to meet you, I hope you guess my name.

Está tudo ali: da parceria conturbada e inspirada com Jagger ao período de exílio na França, sobre Brian Jones, drogas, a proibição de entrar nos Estados Unidos, as prisões, Anitta Palemberg e filhos. Além disso, o livro funcionou para mim como um audiobook: ouvi cada uma das músicas que ele cita no livro – uma viagem musical guiada por Keith- a lenda – Richards. Lindeza 😉

kiss

Ps1: ó a música que deu nome aos Rolling Stones! Adivinhem de quem é…. http://www.youtube.com/watch?v=4T2hygHu8CI

Ps2: tem o trecho de um poema do Fernando Pessoa [de Álvaro de Campos, para ser mais exata], que diz assim:

“Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?”

Talvez seja essa espinhosa questão das biografias: ainda hesitamos perceber que não há semideuses.

 

Cristina Esteche

Jornalista

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