22/08/2023
Geral

De cada 10 ligações recebidas pelo Corpo de Bombeiros 8 são trote

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Uma pessoa encontrada morta com inúmeras facadas em um bairro distante do centro; um incêndio de grande proporção em uma fazenda próxima do Distrito da Palmeirinha; um acidente com quatro vítimas fatais na BR 277.  Estas três situações poderiam ter em comum um resgate emocionante ou um fim trágico para as possíveis vítimas e suas famílias. Mas o que aproxima estas histórias é o fato de todas elas não passarem de invenção e, mesmo assim, terem sido relatadas a atendentes da emergência do Corpo de Bombeiros, em Guarapuava.

De acordo com o radioperador  Soldado Lima, há 12 anos a frente deste serviço,  a corporação estima que a cada 10 ligações recebidas oito sejam trote. “Vamos aperfeiçoando ao longo do tempo técnicas capazes de identificar a veracidade da chamada. Claro que sempre corremos o risco, mas na dúvida enviamos a equipe.”

Quem trabalha todos os dias recebendo pedidos de socorro encontra maneiras de reconhecer falsos relatos. "A gente acaba aprendendo a definir o que é trote",  conta Lima. Segundo ele, o tom de voz e contradições são importantes elementos nesta triagem.

Apesar de a percepção dos atendentes ser uma aliada para evitar que equipes sejam empenhadas em ocorrências imaginárias, Lima ressalta, que em caso de dúvida, o indicado, sempre, é a checagem in loco. "É melhor para gente despachar uma viatura para um trote – em tese, o que seria um trote porque a gente não sabe se é –  do que deixar de mandar e não salvar uma vida", avalia.

Estas situações em que os bombeiros são mobilizados inutilmente podem gerar prejuízos, tanto financeiros quanto na atuação em outros salvamentos. A corporação não tem um levantamento de quanto é gasto com trotes a cada ano, mas não é pouco.  

Em relato a acadêmicos de Enfermagem e Biomedicina da Campo Real que visitaram o  5º SGBI, o Soldado Lima explicou que quando o trote é insistente, há formas de identificar de onde partem. “Contactamos de imediato a Polícia Militar. Aí contamos com o apoio deles para tomar as medidas cabíveis.”.

Um exemplo foi a de um aluno do ensino médio que ligou inúmeras vezes de um orelhão. Foi pego em flagrante pela PM e como era de menor, os pais e o diretor da escola foram chamados. O infrator passou dias limpando o quartel e confessou que foram os alunos mais velhos que “exigiram” que ele realizasse as chamadas, mas optou por não delatar ninguém.

"Digamos que todas as viaturas do 5º SGBI estejam empenhadas, e que inclusive uma delas foi enviada para um trote. Então, vai ser preciso deslocar uma viatura de uma outra unidade, que vai chegar com um tempo de resposta maior, o que pode influenciar no salvamento de uma pessoa", explica Lima.

O perfil de quem passa trotes para o Corpo de Bombeiros é conhecido. A maioria das ligações é feita por crianças, em dias úteis e em horário escolar. De acordo com o radioperador, as chamadas com falsos relatos não são as que predominam. Segundo ele, a maior parte dos trotes são passados por crianças que ligam, simplesmente, contando piadas, dando risada ou fazendo xingamento com "palavras escabrosas". "Encerro a chamada rapidamente, outra pessoa pode estar precisando da emergência", afirma.

De acordo com o Corpo de Bombeiros, aplicar trote é crime e a pena pode variar de um a seis meses de prisão, além de aplicação de multa. Alguns estados possuem legislação específica para coibir quem faz falsas denúncias e pedidos de socorro. Em São Paulo, por exemplo, uma lei foi sancionada, em 2012, e prevê multa para quem passa trote ao Corpo de Bombeiros, PM e Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). Em Minas Gerais, de acordo com levantamento feito pela Assembleia Legislativa, cinco projetos de lei sobre o tema tramitam na Casa. Sem legislação específica por enquanto, o Corpo de Bombeiros faz ações para conscientizar a população, como atividades em escolas com crianças e adolescentes em Guarapuava e região.

O número de trotes recebidos por outras instituições que trabalham salvando vidas também chama a atenção. De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde, cerca de 20% das ligações atendidas na central do SAMU são trotes.

 

Cristina Esteche

Jornalista

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