22/08/2023

É possível trocar os verbos?

Trago aqui um pequeno recorte da filosofia antiga para animar nossas discussões políticas.  É dificílimo estabelecer o que é de Sócrates e o que não de Sócrates, pois tudo ou quase tudo que sabemos deste pensador nos chegaram por autores diversos, mas em especial por Platão.

Há uma máxima, creditada a Sócrates que diz: “Ninguém peca voluntariamente: quem faz o mal, fá-lo por ignorância do bem, de modo a considerar impossível conhecer o bem e não fazê-lo. Quando faz o mal, na realidade não o faz porque se trate do mal, mas porque daí espera extrair um bem”. Prendo-me aqui ao juízo: ‘impossível conhecer o bem e não fazê-lo”. Contextualizando com o momento que vivemos e tendo como horizonte nossos representantes do legislativo municipal, fica a pergunta:

Sabem ou não sabem ? Conhecem ou não conhecem ? São esclarecidos ou não ?

Ora, o que é pior: conhecer e não fazer ou não conhecer e também não fazer ?

Dependendo das respostas que tivermos, podemos então interpretar a máxima socrática para x ou para y.

Faz dias escrevi um pequeno comentário sobre o que esperar de nosso legislativo. Recebi críticas pontuais, nevrálgicas. Sem problemas.

Tomo a liberdade de aqui reproduzir e submeter ao juízo do leitor, parte do texto:

“Não se tem muito o que dizer do Legislativo local. (…)   Individualmente, os atributos dos Vereadores, suas trajetórias profissionais,  o processo de ações que os mesmos construíram em suas histórias particulares até chegar à eleição individual, é muito superior ao que externalizam enquanto instituição.  Individualmente são muito melhores que coletivamente.  O silêncio e o anonimato de alguns chega a ser escandaloso. Talvez, em um comparativo com o legislativo anterior, imaginava-se que o cenário seria outro. Vivem de tarefas pequenas,  de  apoiadores  ou negadores  das decisões do Paço Municipal,  mas sem originalidade e identidade própria.   Com raras e honrosas  exceções,  assistismos de camarote uma ampla maioria pacífica e corporativista do Paço Municipal e uma minoria que, dia após dia, perde energia e acaba se assumindo fundamentalista de uma causa política caciquista, evidenciando uma saudade gigantesca de outros tempos.  A grosso modo, tentando encontrar um diferencial em relação a legislaturas anteriores, vê-se uma maior aceitação em discutir coisas públicas, sem contudo, serem resolutivos.  Estão perdendo uma grande oportunidade de serem ousados, diferentes e com capacidade de interferência  no ciclo natural das coisas públicas.  Se não tomarem o remo,  correm o risco de ficarem mais invisíveis do que parecem ser.  Há tempo para se recuperarem e mostrarem para que vieram, sob pena de termos uma renovação em 2016 muito maior do que a que tivemos em 2012. Não se trata de denegrir a imagem da casa, mas sim, de querer vê-la como uma casa do verdadeiro interesse público. Estou errado ?”

Tentando ser justo, evidente que os nobres edis são ainda  merecedores de crédito e representam todos nós. Está claro que esta gestão difere da anterior e zela pela idoneidade de diárias e gastos públicos.  Disparadamente realizaram mais audiências públicas que outras três legislaturas juntas. Não é isto que está em questão.  A observação que faço é que o fundamentalismo  ou o bairrismo de alguns à estrutura política   não devesse  ser tão  ufanista. Seus nomes estão acima de coisas menores e deveriam como guardiões do município, se necessário,  escancarar   imperfeições que podem ser facilmente observadas a ponto de  brigar por causas maiores, e  não um indiferentismo suspeito. Escrevi outro dia, é preferível ser amigo da verdade que amigo de Platão. Este comportamento, corriqueiro no meio, senão ajustado, pode causar danos à  cidade.

Tenho em mente que os verbos legislar, fiscalizar, representar e informar os cidadãos tem sido, em grande parte, substituídos pelos verbos ‘concordar’, ‘justificar’ ou  ‘negar’, acompanhados do ‘cegamente’ ou então com ‘certa miopia’. Não tenho dúvida que  a Câmara Municipal mais colabora  com a atual gestão que o seu contrário. Há casos que  colaboram  tanto que esquecem-se de cumprir seu real papel, distanciando-se da essência de sua real missão.

Ao gastar energia  concordando ou justificando ações do Executivo prestam-se mais ao  papel de coadjuvantes  e instrumentos, portando-se como menores, dependentes e manipuláveis do que propriamente autônomos e sujeitos de seus próprios mandatos.  Da mesma forma, ao negarem  por negar e   resistirem por resistir,  também cegamente, prestam-se como acessórios  de um poder paralelo. 

Esta Casa de Leis não deveria ser situação, nem oposição, apenas ser ela mesma.  Já   a imprensa, segundo Millôr Fernandes,  por si só,  deveria ser mais oposição que propriamente situação, pois do contrário seria um armazém de secos e molhados. Nenhum executivo tem apreço por legislativo independente. Isto é compreensível considerando nossa cultura presidencialista, bastante arraigada. Por outro lado, o jornalismo independente, vital nos dias de hoje,  tem a missão de dizer  aquilo que nem sempre  interessa ao poder de plantão e isto é, em meu entendimento, pedagógico.

Há uma cidade no Paraná que inovou. Lá cada Vereador é responsável em monitorar e acompanhar  de perto, ao menos,  uma Secretaria Municipal e semanalmente relatar aos pares  e à comunidade se a mesma está sendo eficaz ou então  tendo um desempenho abaixo da média. Trata-se de um  bom exemplo que pode ser seguido nestas terras. O corpo a corpo não faz mal a  ninguém e tem grande chance de combater o relaxamento moral.

Como escreveu Nietzsche: “… com a ajuda da moralidade, do costume e da camisa de força social, o homem foi realmente tomado confiável”.

Há muitos edis bem intencionados. Disto não tenho dúvida, mas por alguma razão, em determinado momento, acabam mudando de compreensão e de entendimento, comprometendo-se com outros discursos e não conseguem superar a crise  do contra-discurso. Chamo isto isto de  “perda da confiança na efetividade do discurso comprometido”.  Estou certo ?

Professor Dr. Claudio Andrade. Departamento de Filosofia da UNICENTRO

Mestreclaudio@uol.com.br

Escreve também seu blog www.guarapuavatube.com.br

Cristina Esteche

Jornalista

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