Quero dedicar algumas linhas sobre algo que muitas vezes tem passado desapercebido por comentadores de plantão e pela própria sociedade, mas não por todos. Mais do que o ‘pensar em sociedade’, hoje é vital assumir um posicionamento sobre o ‘fazer em sociedade’. Vivemos o momento em que o tempo relógio e o tempo calendário estão em depressão. De fato, o tempo mudou. Embora o círculo do horário continua o mesmo, o fenômeno da instantaneidade tem provocado rupturas que estão trincando ou fissurando o chão que pisamos.
O tempo-legal ( em razão da estrutura jurídica ) é hoje o principal inimigo de alguns gestores públicos. Afinal, reféns da burocracia e de prazos e cronogramas estabelecidos, mesmo acertando, decepcionam. E não podemos desconsiderar aqueles gestores públicos que tem muita dificuldade em acertar e que muitas vezes são rotulados como patinadores.
A necessidade de resolver problemas reais que atingem a mim e a você, que a muito foram deixados de lado, negligenciados ou ignorados, não podem esperar mais. A mudança em curso é que até então tínhamos ‘ciência’ disto, agora ( diferentemente ) temos ‘consciência’ disto e, por esta razão, as coisas mudaram.
O ‘tempo-fazer’ é o que se quer. Esta expressão foi, com lucidez, cunhada por John Holloway, pensador irlandês radicado no México. Ler Holloway tem sido revelador. Acrescentaria que é preciso contudo considerar que há um choque entre o “temos que nos reunir” , “temos que fazer”e o “temos que avançar” e, com razão, decidir qual o melhor caminho tomar. Não dá para escapar deste dilema. Nosso Prefeito ainda se bate com isso e tem dificuldade em convencer o cidadão local de que o tempo de preparação é um e o tempo de atuação é outro. Um grande sentimento de impotência que, em alguns momentos, fica mais perceptível. Daí a necessidade de uma grande reforma administrativa-jurídica que permita que o tempo da gestão pública acompanhe o tempo da gestão privada.
Colocando-me no lugar de alguns gestores (já me pus) , o tempo de questionar as decisões que já foram tomadas não é tão rápido e , principalmente, a possibilidade de experimentar novas práticas e mudar de curso é vagaroso e incompreensível aos olhos do cidadão. Este, o cidadão, está cada vez mais pragmático. O problema é pior quando a demora em agir é explícita e, ainda assim, há casos em que o encaminhamento se dá na direção errada, resultando em uma tragédia. Em nível nacional, há quem diga que a decisão pontual de realizar mega-eventos como a Copa e os Jogos Olímpicos fora uma decisão inoportuna, acrescido do fato de escolhas equivocadas que comprometeram nosso crescimento econômico nos últimos anos e de uma cultura permissiva em relação à falta de idoneidade de alguns homens públicos. Em nível de Estado, há quem diga que a explícita má gestão fiscal e, por conta disto , a obsessiva dependência de empréstimos externos que custaram a chegar ( seja por maldade política da Senadora e de seu staff ou outra razão ) comprometeram o discurso de bom gestor amplamente propagado na última eleição. Em nossa cidade, algumas escolhas e prioridades também são questionadas por ‘alguns’ como a falta de objetividade em ações administrativas que poderiam ser mais eficazes. Assim, a administração local peca, principalmente, por não conseguir traduzir em realidade, em elementos palpáveis, ‘expectativas muito positivas’ construídas no processo eleitoral que embalou uma grande vitória, pelo menos até o presente momento. Mas temos claro que o ‘tempo poderá ser o senhor da razão’. Ainda assim, confesso, continuo otimista e esperançoso, pois sobre este segmento o fardo tem sido muito pesado.
Claro que não podemos radicalizar e desconsiderar virtudes praticadas nos governos que promoveram melhoramentos na vida particular de cada um de nós, mesmo que em velocidades e tempos muito distintos.
Se o gestor for muito obediente ao tempo/burocrático, corre o risco de pouco fazer, além de passar à opinião pública a idéia de incapacidade. Do contrário, se for ousado, corre o sério risco de acertar contas com organismos que estão aí para cobrar, como o Tribunal de Contas, o MP Estadual, MP Federal, além da imprensa e setores da sociedade. Temos, em outras colunas, destacado que o grau de exigência por parte da sociedade está completamente diferente de períodos anteriores. Os intermediários tradicionais, cada vez mais fragilizados perante a opinião pública ( não podemos esquecer da frase de junho de 2013: “eles não nos representam” ), estão diuturnamente, perdendo espaços. Estes porta-vozes, agentes públicos (Vereadores, Prefeitos, Deputados e outros assemelhados) , estão sendo substituídos por nós mesmos. É um tempo diferente, disto não tenho dúvida.
Penso que estamos abandonando a cultura da reivindicação, que em outros tempos foi fundamental, e iniciando um novo estágio. Estamos em direção à cultura do exigir, de uma pressão que não suporta mais o tempo-legal e, em razão disso, a sociedade passa a determinar a agenda. É de fato uma mudança muito significativa que parece ser tão normal nos dias de hoje que não nos damos conta de sua alteração. O magnetismo da sociedade tem forçado o Estado a girar claramente ao redor de uma nova gravitação.
Tal constatação mexeu com conceitos importantes deste mundo político e fez com que as pessoas alterassem o conceito de perspectiva. A perspectiva está mais próxima, diferente de outros tempos. Deste modo, podemos compreender que está em curso uma nova revolução. Qual ? A afirmação de nós mesmos.
Todavia, devemos tomar cuidado. Às vezes, na sede de mudar rápido, muda-se errado e o tempo que se espera ganhar com a mudança pode se transformar em uma nova eternidade. Muitos, ‘sem querer esperar’ exigem um mundo diferente e, em grande parte, acabam não valorizando o correto tempo da criação e da maturação. Quantas idéias boas que, por ansiedade ou péssima estratégia, morreram precocemente ? Certamente muitas. Tudo tem seu tempo, afinal, sem ilusão, nunca teremos uma sociedade inteiramente esclarecida. Isto é surreal, mas podemos, de alguma forma, contribuir para que uma parte significativa da sociedade seja mais esclarecida. Temos então uma clara sinalização de um novo paradigma em construção: o da resistência e de novas possibilidades. Este pensamento ressurge como uma faca de dois gumes: a satisfação de um mundo melhor, mas também a iminência de um possível desastre. Nossa resistência é ímpar, pois é contra o próprio tempo e não necessariamente contra este ou aquele governo. A máxima que se ergue é o “não pode ser assim” ou ainda “não, isso não pode continuar, nem mesmo por um momento”. Assim, nosso voto na eleição que vem poderá ser um freio de emergência ou um recado de que algumas escolhas poderiam ser diferentes.
Dr. Claudio César de Andrade
Professor do Departamento de Filosofia da UNICENTRO.
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