22/08/2023
Segurança

Polícia reduz prazo de formação de delegados

Os delegados que se formarem no Paraná terão frequentado um dos cursos da carreira mais enxutos do país. A Polícia Civil do estado reduziu de 800 para 278 horas a carga das aulas presenciais da formação. Nos bastidores da corporação, a medida polêmica dividiu opiniões. O comando da instituição alega que a grade curricular estava desatualizada e precisava de modernização. Por outro lado, profissionais consideram que a compactação vai impedir que, ao concluírem o curso, os novos delegados estejam preparados para assumir uma delegacia.

Dois delegados consultados pela reportagem e que atuam em distritos da capital não veem com bons olhos a redução da carga horária do curso de formação. Uma das principais preocupações diz respeito ao aspecto técnico da profissão.

“O aprovado em concurso é graduado em Direito, mas não sabe nada do dia a dia de uma delegacia. Se ele não for bem treinado, só vai aprender na prática, pelas mãos de um policial militar no interior, de forma distorcida. Vai fazer errado pelo resto da vida”, comenta um delegado.

Outra apreensão está relacionada à segurança dos novos delegados e da população. “O profissional precisa sair seguro, porque a atividade envolve riscos. Um delegado mal treinado pode morrer em atividade ou atingir alguém por engano”, diz outro delegado.

Já um aprovado no concurso, mas que ainda não foi chamado, avalia que, se não houver redução das aulas práticas, a formação não estará em risco. “Nós temos um bom conhecimento jurídico. Esses módulos podem ser reduzidos sem prejuízo. É preciso manter as disciplinas técnicas”, afirma.

600 horas-aula é a carga mínima de um curso de formação de delegados, segundo a matriz curricular definida pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), vinculada ao Ministério da Justiça.

Segundo a matriz curricular definida pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), vinculada ao Ministério da Justiça, a carga mínima indicada seria de 600 horas-aula. Um levantamento feito pela Gazeta do Povo aponta que o curso da polícia paranaense tem duração maior apenas do que o da Polícia Civil do Ceará. Apenas outros três estados mantêm formação de delegados aquém da apontada pela Senasp. Atualmente, 62 recém-aprovados em concurso frequentam o curso no Paraná. Onze estados não informaram a carga de seus respectivos cursos.

“Eu não dirigiria um curso com uma carga horária como esta [280 horas], porque eu não teria condições de atestar que o delegado estaria preparado num período tão curto”, disse o diretor da Divisão de Ensino da Academia de Polícia do Rio Grande do Sul, delegado Fábio Motta Lopes. Lá, a formação corresponde a mil horas-aula.

IMPORTÂNCIA

Os delegados da Polícia Civil são contratados após aprovação em concurso público. É o curso de formação que vai transformá-los de bacharéis em profissionais da segurança pública. Além de disciplinas teóricas específicas da autoridade policial, os formandos frequentam aulas práticas compatíveis com o que vão encontrar nas delegacias – como operação policial, investigação e uso de armas de fogo.

“Toda a formação policial, ele [o delegado formando] vai ter na academia. O curso é a porta de entrada para termos um bom policial, preparado para a atividade prática”, diz o delegado Paulo Roberto D’Almeida, presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol-BR).

Recentemente, 62 aprovados em concurso foram chamados e estão frequentando o curso de formação no Paraná. A Adepol do Paraná encaminhou ofícios ao governador Beto Richa, à Secretaria de Segurança Pública e à Polícia Civil, pedindo a correção de “rumos deste processo”. A entidade classifica a redução da carga como uma “pétala de amadorismo” e entende que a medida pode implicar em risco para os delegados (“que não vão receber preparo profissional necessário para enfrentar a criminalidade”) e para a sociedade.

O encolhimento do curso pode estar relacionado à defasagem do número de delegados do Paraná. O estado é a unidade da federação com a menor proporção de delegados por habitantes: um profissional para cada 30,9 mil paranaenses. Cerca de 300 cidades, das quais 53 são sede de comarca, estão sem delegado.

Cristina Esteche

Jornalista

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