'Diadorim é a minha neblina', nos diz Riobaldo.
Grande Sertão: Veredas não é um livro fácil. Exige um pouco mais de concentração, e passear pelas páginas acaba nos transformando em tradutores, porque há uma infinidade de palavras novas [os tais neologismos], palavras propositalmente suprimidas, regionalismos – e tudo isso numa narrativa não-linear!
Escrito pelo mineiro João Guimarães Rosa e lançado em 1956, é uma das grandes obras da literatura brasileira e tudo em sua construção é inusitado, sendo o fio condutor as confidências que faz o [ex] jagunço Riobaldo a um interlocutor sem nome nem voz. Se nos deixarmos envolver pela história, em pouco tempo conseguiremos visualizar a paisagem cor de terra salpicada de verde, num estranho paradoxo entre árido e abundante, o calor escaldante refrescado pelos riachos e as sombras das árvores frondosas, a camaradagem do bando, quebrada pelos inevitáveis tiros e gritos das peleias.
E então, de um jeito rápido e definitivo, a gente compreende que o livro não é sobre os sertões, as veredas ou os jagunços: o livro é sobre um amor impossível, separado pela morte. Poderia ser a história de Romeu e Julieta, mas é a de Riobaldo e Diadorim! E aqui entra o grande tempero da história: afinal, quem é Diadorim? Pois é também um jagunço aguerrido e valente, tal e qual Riobaldo. Imagine o auê que uma afinidade dessas poderia causar…
As reflexões e testemunhos de Riobaldo sobre a vida, a guerra, a morte, o medo e o seu amor por Diadorim – represado, intacto na memória; são de uma beleza e sabedoria ímpares, como as que a gente imagina encontrar nas pessoas que passam por grandes provações e sobrevivem para contar.
‘Só se pode viver perto do outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor. Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura…
…Viver é muito perigoso; e não é não. Nem sei explicar essas coisas, um sentir é do sentente, mas outro é o do sentidor.’
Ps1: A imagem que ilustra o post é de Bruna Lombardi como Diadorim, numa cena da minissérie Grande Sertão: Veredas, que passou na Rede Globo nos anos 80.
*ultra spoiler alert*: a cena a seguir conta toda a trama em menos de 2 minutos.
https://www.youtube.com/watch?v=UwOPW_Lww3I
Ps2: É um dos meus livros favoritos, portanto dos mais sublinhados e rabiscados. Vou deixar mais um trechinho, ta? 😉
'E de repente eu estava gostando dele, num descomum, gostando mais ainda do que antes, com meu coração nos pés, por pisável; e dele o tempo todo eu tinha gostado. Amor que amei – daí então acreditei. A pois, o que sempre não é assim? '