22/08/2023
Política

O caminho da derrota

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Guarapuava – Por Cristina Esteche
As investidas de Fernando Ribas Carli (PP), na tentativa de manipular a Câmara Municipal de Vereadores, mostra a dificuldade do prefeito em lidar com a democracia, com as diferenças de opinião, e, acima de tudo, evidencia a aversão de Carli ao diálogo.
Suas atitudes traduzem um comportamento que marcam sua trajetória política. Ele chega no “apagar das luzes”, no fim da sua carreira, alimentando erros históricos que vieram desde a sua primeira administração, levando o então vice-prefeito Cezar Silvestri para a oposição, sucedendo-se com tantos outros políticos, e agora tende a sacramentar sua imagem de um político arrogante, absoluto.
O “fio da meada” está cravado nas “negociações” para a eleição da presidência da Câmara ainda em dezembro do ano passado, quando Carli perdeu a maioria e, consequentemente, o controle que exercia sobre o Legislativo Municipal.
Ainda está vivo na memória dos vereadores Nélio Gomes da Costa, João Napoleão e Sadi Federle, que seriam da base situacionista a Carli, o encontro no suntuoso gabinete do prefeito ainda em dezembro. Nesse dia o recém reeleito prefeito colocou contra a parede os 7 vereadores que formariam sua base de apoio na Câmara para selar o “acordo” em torno da vereadora Maria José Mandu Ribas. Após cerca de 4 horas de conversa, Carli teria tripudiado sobre alguns vereadores que chegaram a declarar que seria “impossível” acatar Maria José na presidência, por divergências crônicas e insuperá-veis com a vereadora. Teria sobrado até para o estreante Lizandro Martins, o Magrão, funcionário de Carli na 92 FM. Ainda hoje, se Magrão tem voz perante a “solidão” dos microfones, se mantém calado na tribuna popular.
Foram os próprios vereadores que deram publicidade ao inteiro teor da reunião, relatando a diferentes interlocutores a forma como a decisão foi tomada. E não fizeram nenhuma questão de esconder a insatisfação. Sentiram-se “pressionados”, “forçados”, adjetivos que eles mesmos utilizam para definir a posição do prefeito.
Nesse cenário o grande desafio de Maria José seria o de manter a estabilidade política do grupo carlista, o que acabou não acontecendo, e a principal causa teria sido o poder de mando imperativo de Fernando Carli, seguido fielmente pela vereadora.
Poucos esqueceram a declaração feita por Carli no dia que venceu as eleições. Ele disse em coletiva à imprensa, que ia “mudar conceitos”. Na época ninguém entendeu o que ele queria dizer. Afinal, ele não conseguiu “engolir” a insignificante diferença de votos sobre o estreante Cesar Silvestri Filho. O descaso que se observa na cidade, quer seja no tratamento (ou falta deste) em secretarias e departamentos oficiais, quer seja nas ruas esburacadas que tomam conta da cidade, quer seja nas estradas intransitáveis, na inoperância do transporte escolar, na falta de informações, só para citar alguns exemplos, traduz essa “mudança de conceitos”. Afinal, Carli teria dito entre quatro paredes logo após o resultado das eleições que asfalto e obras não davam voto, numa referência aos mais de 100 quilômetros de ruas “asfaltadas” na gestão anterior. Ele apostou em obras decididas no gabinete e não naquelas de interesse da população. Errou mais uma vez e o povo deu o seu recado.
O mesmo recado dado por vereadores que optaram pela alforria ao mando “carlista”, demonstrando coragem ao não se importarem em pagar o preço pela “liberdade” reelegendo o peemedebista Admir Strechar, desafeto político do grupo carlista. Passaram a compor o bloco parlamentar de oposição, o chamado G8, sob a liderança do petista Antenor Gomes de Lima, viabilizando uma nova postura na Câmara. Nada, mas nada mesmo é aprovado sem prévia discussão, sem o consenso de que a decisão vai beneficiar a comunidade.
Esse rigor contra qualquer possibilidade de “perda” do dinheiro público está provocando “ranger de dentes” na cúpula “carlista”, que tenta de várias formas “driblar” a fiscalização da Câmara.
A trapalhada no caso dos pedidos para abertura de créditos adicionais especiais no valor de R$ 1 milhão para continuar as obras do aterro sanitário trouxe à tona uma fragilidade da administração municipal.
Após ter obtido a permissão para abrir o crédito de R$ 1 milhão em 2008 e não ter investido esse dinheiro para a finalidade solicitada, o prefeito encaminha novo projeto de lei, com o mesmo valor e para a mesma finalidade agora em 2009. Atenta, a oposição não votou o projeto de lei mesmo perante as frus-tradas tentativas orquestradas por radialistas das emissoras de rádio da família Carli, que tentavam jogar a maioria dos vereadores contra a opinião pública. Ainda tentam, mas não conseguem. Basta parar um pouco para ouvir comentários não só de formadores de opinião, mas a voz do povo mesmo, para deduzir que mais uma vez o “tiro está saindo pela culatra”, que a cada programa que vai ao ar, a cada comentário sem fundamento, a administração perde pontos junto à população.
Apesar dos ruídos na comunicação chapa branca, o G8 se mantém firme. Na primeira sessão após o recesso parlamentar, na segunda-feira, dia 3, a surpresa: o prefeito pede a retirada do Projeto de Lei 018/2009, após ter consultado o Tribunal de Contas do Estado, e ver que podia remanejar mais de R$ 6 milhões sem autorização legislativa. Carli tinha um “cheque em branco” dado na legislatura anterior, quando ainda imperava o seu mando sobre a Câmara e podia remanejar até 40% do orçamento sem autorização dos vereadores.
A soma hoje remanejada era de créditos adicionais suplementares cujos projetos de lei encaminhados à Câmara antes do recesso parlamentar foram rejeitados. O que foi explicado e era para compra de medicamentos, por exemplo, foi aprovado. Caso contrário, nem votado foi.

“Mea culpa”
“O prefeito fez a mea culpa. Nós tínhamos razão em não aprovar esse projeto de lei no afogadilho”, afirmou o líder do G8, Antenor Gomes de Lima. “Não nos submetemos à pressões baratas que às vezes acontecem por aqui”, disse o petista.
O líder da situação, Elcio Melhem (PP) tentou sair na defesa do prefeito e disse que a Câmara foi chamada para discutir a matéria, mas que a maioria não aceitou. “Infelizmente, quem saiu perdendo foi a comunidade. Porque eram verbas carimbadas, conveniadas e que no entendimento do prefeito precisavam de autorização legislativa. O prefeito quis a participação da Câmara, mas isso não aconteceu”, rebateu Melhem.
“Não se trata de nada disso. O que ficou claro foi a incompetência da administração municipal, que tentou enrolar os vereadores mandando um pacote pedindo abertura de créditos cujo destino dos recursos solicitados nem o contador Ildo Belim soube explicar. O G8 discutiu isso com o então prefeito em exercício Jorge Massaro e com o contador, que tentou explicar o que não sabia e não conseguiu. Esse pedido não foi rejeitado porque não foi votado”, observou Admir Strechar. Para o presidente da Câmara, ou o prefeito está tentando “driblar” a maioria dos vereadores encaminhando dois projetos de lei semelhantes, está mal assessorado ou está brincando com a população.
Após mais de uma hora de debates o pedido do prefeito foi aceito pela maioria e o pedido de autorização para a abertura de crédito adicional especial foi retirado.
Mantendo a postura de fiscalizar os atos do Executivo com rigor e de recuperar o que foi imposto no passado, a maioria dos vereadores “sustou” o cheque em branco dado a Carli. A pedido do “tucano” Nélio Gomes da Costa, na primeira votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) pediu votação em destaque do artigo 39 dessa lei. A maioria derrubou o privilégio dado ao prefeito. Agora, Carli terá que se submeter à fiscalização e às decisões legislativas, “amargando” derrotas consecutivas perante o prevalecimento dos interesses da população.

Cristina Esteche

Jornalista

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