22/08/2023

A verdade seja dita

A política tem movimentos rápidos e nesta órbita podemos tudo, menos o exercício da ingenuidade. São muitas as armadilhas e as dificuldades que se colocam neste horizonte. O que sei de verdade é que vivenciamos um horror político e que, senão zelarmos por nossa resiliência,  seremos atraídos por uma força irresistível da cooptação/domesticação ( usar a mesma toalha ) ou do abandono/refutação ( jogar a toalha ) da coisa pública.  Precisamos de mais imunidade. Confesso que me sensibilizei com o “uma ova” da candidata Luciana Genro para o candidato Aécio Neves quando este a acusou de linha auxiliar do PT.   Tal interjeição (‘uma ova’) pode ser daqui para frente o grito do “basta”, do “assim não dá” ou do “vão-se todos” como um vírus positivo e como uma necessária transgressão.

As eleições se aproximam e corremos o risco de girarmos insensatamente entre euforia por um lado e a depressão por outro.  Inútil especular neste momento se o Brasil dos próximos quatro anos  será o ideal para todos nós.   O Brasil continuará com desigualdades, injustiças, malversação do dinheiro público e outras práticas reprováveis, mas é nosso dever zelar para que possamos mais melhorar que propriamente piorar. Aqui em nossa terra também precisamos zelar.   Hoje minha reflexão se prende a nosso comportamento de mansidão exagerada e anomalia diante dos homens públicos que se julgam superiores aos demais. Somos pacíficos, conformados e muitas vezes incapazes de expressar o que realmente sentimos, mas isto está em trânsito.

Como escreveu Foucault o que acontece no alto é a maximização do que acontece aqui em baixo.  Exemplo disto é que imunizado e endeusado por muitos, Lula, não admite o contraponto, a crítica, a mínima transgressão e está disposto a tudo para não ver seu império ruir.  Em que pese sua contribuição para o País em outros tempos, foi transformado em monumento e agora se vê com a possibilidade de ficar longe do pódio.  Em face disto, tudo está sendo tentado. Aqui também, costuma-se reverenciar com exagero a tradição política e evita-se apontar erros claros de nossas lideranças políticas.  Mas verdade seja dita, é muito difícil que a tradição política local permita e/ou conceda que outros protagonistas “não ungidos”, façam parte do processo seleto de decisão dos destinos de nossa cidade e de nosso Estado. Esta benevolência é uma lenda, ou seja, naturalmente ou espontaneamente é quase impossível.  Sei que expressões como “nunca mais” ou “jamais”  são fortes demais para nossa ação política, mas algo precisa ser feito. Talvez, em dada circunstância ou em momentos extraordinários que interessou ou pode interessar, tal ação se transformou ou pode se transformar em uma pequena possibilidade.

Assim, está certo que não dá para gastar tanta energia neste terreno, neste empreendimento.

Em se tratando de eleições para o Congresso Nacional, o “risco” de uma lacuna em nossa cidade e região (eleição de Deputado Federal) é grande e, na melhor das hipóteses, para "minorar as dores do parto", a tradição política deveria centrar fogo em um nome comum, viável, aglutinando forças em defesa de um interesse maior e coletivo. Infelizmente, investiu-se na astúcia política (com acordos estranhos com nomes de outros trechos) e no meu umbigo pequeno, privilegiando sonhos particulares tendo como resultado,  o que pode ser considerado,  uma irresponsabilidade política. O pouco empenho para a eleição de Deputado Federal  ( visível a todos ) ganha maior destaque quando se vê o grande empenho para outra eleição.

Se alguém se apresenta para agir em nome de outros (ser político),  se coloca no comando. Se o navio político naufragar,  será responsabilizado pelo naufrágio. Não tenho dúvida que esta conta será, mais cedo ou mais, debitada.

 E, caso haja êxito, a viagem será sempre crédito seu. Também não tenho dúvida que a tarefa do político é tomar decisões. No entanto, sabemos bem que toda decisão implica uma escolha entre opções diversas e toda preferência é também uma limitação, ou seja, uma afirmação de algo e uma negação de outro algo. Como sou vacinado, sei que a prática tem razões que a teoria pode até desconhecer, mesmo assim, penso que em tudo deve estar o princípio primeiro de todas as coisas, ou seja, o bom deve ser bom para todos.

Particularmente acho que estamos jogando contra nós mesmos e isto está próximo da imbecilidade. A quem interessa nosso fracasso em uma eleição para o congresso nacional ?  Possivelmente à tradição política que quer guardar o poder a sete chaves.

No caso nacional, o geógrafo Demetrio Magnoli advertiu que 16 anos de domínio político será um regime e não mais um grupo político no poder. No tratado teológico-político de Espinosa está escrito: “o grande segredo do regime monárquico é fazer com que os homens combatam pela servidão como se fosse pela salvação”.  Infelizmente muitos se prestam a isto.

Há muita cumplicidade em tudo isto. Parafraseando La Boétie, o líder político não tem mãos, são as nossas mãos que o protegem; não tem ouvidos, são os nossos ouvidos que lhe informam sobre tudo, e assim por diante.  Até quando?  O que precisamos fazer é não dar a eles o que nos pedem. Ponto pacífico.

É preciso ceder para quem cede e investir em projetos autônomos com abertura política e novas paisagens eleitorais.

A famosa máxima: “mais dos mesmos” apesar de estigmatizada em nossa cidade como algo nocivo, ainda subsiste. Felizmente, esta cultura tende a decrescer nos próximos anos. Nunca é demais lembrar: “O mundo só poderá ser salvo, caso o possa ser, pelos insubmissos.” ( Andre Gide ).

 

Cristina Esteche

Jornalista

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