22/08/2023

A negligência nos condena

Sartre escreveu que estamos condenados a ser livres. O tempo presente subverte esta máxima e sentencia que estamos condenados a maus governos por nossa própria negligência. Via de regra, quando o assunto é de interesse coletivo, falta-se muito, comparece-se pouco e o tempo dedicado à coisa pública é mínimo. De fato, nossa negligência tem sido maior que nossa cumplicidade e bem maior que o descaso de muitos homens públicos que são beneficiados por nossa ineficiência e pífio controle social.

Não há dúvida de que políticos e cidadãos comuns têm muita semelhança. Acredito que há raros políticos não negligentes e, na mesma proporção, há raríssimos cidadãos comuns não negligentes.

Ser correto está no campo da exceção. Ser antiético está no campo da regra. Triste sina.

Quero, nestas poucas linhas, tocar na negligência como cultura viciada da atual sociedade brasileira. O que é ser negligente? É aquele que além de não saber ler a realidade não quer aprender a ler a realidade e, por esta razão, não está disposto a fazer absolutamente nada. E como escreveu Nietzsche, quando percebe que alguém faz o seu contrário, ressentido, amaldiçoa e torce pelo fracasso. A negligência política pode ser uma interpretação equivocada, um descuido, uma falta de informação, uma subserviência, um engodo, uma precipitação, um preconceito, uma omissão, uma conivência, um analfabetismo político, enfim, atributos negativos que trazem no futuro uma conta altíssima.

A negligência é a forma de ser do tonto. Em resumo, a fazermo-nos de bobos não entendendo como as coisas deveriam ser feitas para o bem de todos.

A cultura da negligência não assume o ato falho e procura um culpado, um álibi, um pretexto e espera que haja uma punição individual. Pergunto: quem é o culpado pela tragédia da corrupção no interior e no exterior da Petrobrás? Quem é o culpado pelo atual horror político e pela baixa qualificação de nossos candidatos a Presidente? Quem é o culpado pelo descrédito da política? Quem é o culpado pela violência em nossa cidade? Ao reconhecer que a gestão administrativa de nossa Câmara é a melhor das últimas décadas, pergunto: quem é o culpado pela subserviência política de nossa atual Câmara Municipal, a mais submissa de todos os tempos?

Nas redes sociais vemos defensores Rottweilers e Pit Bulls de todos os tipos de governos vigentes, seja do governo federal, estadual e municipal. Implacáveis não dão trégua ao cidadão comum e exercem uma prática autoritária. Com eloqüência e argumentos suspeitos se dão bem neste mundo de negligentes. Vencem que porque insistem, uma vez que a ignorância é a regra que impera. Fazem apologia ao poder com o gesto de falar e escrever, sem nada dizer.

Enquanto muitos falam sem nada dizer, se aceita qualquer coisa por puro ócio. A legião de servos voluntários domina a legião de servos involuntários e com o discurso que os outros é que não sabem nada, praticam o discurso do verdadeiro que sabemos ter prazo de validade.A boa ovelha especialista em assinar as verdades do senhor feudal nunca poderá ser lobo, pois sua função é tão somente vencer os negligentes, a maioria da população. Os fiéis seguidores do poder latem para mostrar que aprenderam bem o refrão sem sentido.  

O país da anti-política tem tudo para se transformar em país da anti-educação. Mal sabem os negligentes que com boa educação podemos ter boa política. O que mais abomino é o medo de pensar. De fato, hoje, pensa-se pouco.

É tudo muito irônico. Dilma que já acusou Aécio acusa Marina. Marina acusa Dilma. Aécio acusa as duas. E de acusação em acusação, onde vamos parar? Como bem escreveu Gabeira outro dia, as duas (Dilma e Marina) se acusam de terem mudado o primeiro DNA político. Escreveu: “Marina mudou de partido. O PT e Dilma mudaram de projeto ao chegarem ao governo. Aécio Neves, afirma que é o único que pode mudar, pois sempre foi o mesmo”. E daí?

Em meu entendimento um segundo turno seria bastante pedagógico. Precisamos de mais tempo para deixar de ser negligentes e participar de verdade, buscando mais informações, diagnosticando contraditórios e discursos ao vento. Tão ruim quanto ouvir por aí “qualquer coisa, menos a Dilma” ( um exagero ) é ouvir ‘qualquer coisa, menos o PSDB’ ( outro exagero ) ou ainda, tanto faz como tanto fez ( o pior dos exageros ). Se todo este debate forte, de acusações levianas, às vezes impróprias para uma eleição democrática e republicana, servir para melhorar o Brasil, temos alguma chance. Mas de nada adiantará se continuarmos negligentes e se nossos filhos e netos seguirem nosso exemplo.

Como escreveu Albert Camus, o brasileiro está mais ou menos assim: “Se houvesse um partido para aqueles que não têm certeza de estarem certos, eu seria dele”.

 

 

Cristina Esteche

Jornalista

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