22/08/2023

“Toda pedra lançada deve tornar a cair”

Precisamos ser humildes e aprender com tudo o que aconteceu nestas eleições.  Estamos em um processo de amadurecimento democrático e, sem dúvida,  será possível colher frutos. É possível que no futuro um número maior de pessoas reconheça o aprendizado destas eleições. De qualquer forma, de imediato (em curto prazo) o prejuízo virá. Não há dúvida. A diferença é que virá com os mesmos e não com diferentes.

Em qualquer eleição corre-se riscos. Corre-se o risco de perder menos ou de perder mais.  Corremos riscos de nos igualarmos à Argentina (o beco do jegue), mas também corremos o risco de aprofundarmos questões estruturais  e corrigirmos erros, necessários para nossa sobrevivência.  Espanha, Portugal e Itália também passaram por isto. Assim, tivemos de tudo. Tivemos luto, candidaturas surpreendentes, ascensões, quedas, discursos e ataques.  Os mais entusiastas procuraram diversos argumentos para sustentarem suas escolhas.  Todos os argumentos deveriam ser respeitados. Infelizmente não foi bem assim. Acompanhei uma enxurrada de argumentos pró e contra.  Tivemos do lixo ao luxo, alguns verdadeiros e inteligentes, outros lastimáveis.

O tédio de expressar o tempo todo “Aécio é a mudança” ou “Governo novo, ideias novas” cometeu o estelionato de desconsiderar as ações e os reclames das manifestações de junho de 2013 em um segundo turno violento e caricato. Qual foi o grande escândalo do segundo turno? O esquecimento das jornadas de junho de 2013 que em alto e bom som exigia mudanças de verdade e não pseudo-mudanças.

De um lado, tucanos pediam ‘mudanças e a libertação do PT’. De outro, petistas lembravam a classe média e o grande povo da ‘perda possível do que foi conquistado’.

Assim, encarnamos a pergunta: é essa "renovação" que o país precisa? 

Todos os militantes azuis e vermelhos ‘cheios de consciência’ travaram uma grande batalha e o resultado está aí. Agora, na qualidade de cidadãos plenamente conscientes e civilizados, vencedores e derrotados, precisamos trabalhar,  produzir e exigir ao menos o mínimo que foi prometido: o combate a corrupção e escolhas criteriosas de ocupantes de cargos públicos, o cuidado com a economia produtiva, a manutenção das conquistas sociais e a tão propagada e esperada reforma política.

 Em meu entendimento, o enfoque ao social realizado pelo PT no Governo Lula e timidamente no Governo Dilma é o único diferencial que pode ser ressaltado. Quanto ao restante, isonomia total, ou como frisou Cocco “a verdadeira armadilha é de aparecer tão diferentes quando não o são”.

A vitória do PT se deu essencialmente em atrair para si aqueles que no primeiro turno não compareceram ou votaram nulo ou em branco e agora ‘convencidos pelo voto útil e com o desejo de salvar o Brasil de vampiros tucanos’ presentearam Dilma e o PT sem o ‘pleno merecimento’ em torno de uma verdadeira mobilização social sem que ela se comprometesse verdadeiramente com o conteúdo das jornadas de junho de 2013.

 

Alguns cidadãos declaradamente pró-Aécio foram reféns desta escolha por se opor à outra, ou seja, àquilo que o PT se transformou. Dito de outra forma, em um mero governismo e com laços com a malversação do dinheiro público (explícitos nos últimos anos).  Da mesma forma, vejo muitos colegas assumindo uma posição pró-Dilma porque entre uma e outra, abominam a possibilidade de um retorno neoliberal explícito que pode colocar em risco conquistas sociais questionáveis, mas valiosas.

Assim, o segundo turno foi pífio, marcado por tangivergizações, ataques pessoais e uma apologia infantil de que “o meu é melhor que o seu”. Infelizmente grande parte dos cidadãos brasileiros embalaram esta modinha.

Óbvio que Aécio não representava mudança, mas também está claro que a manutenção de Dilma também não é.

Dialogando com um colega universitário a quem tenho muito apreço, ouvi do mesmo a declaração de voto nulo. Sempre me posicionei contra esta estratégia, mas em respeito à sua trajetória e conteúdo, ouvi seus argumentos. Disse: “o voto nulo é hoje o símbolo da autonomia diante de um sistema político representativo esgotado”.  Disse ainda que “a pressão de muitos para que eu me posicione a favor do modelo tucano ou do modelo petista soa como chantagem”. 

Há uma frase de Saramago que gosto muito, mas que nem sempre cumpro por incapacidade, sobretudo quando tem aderência com o tempo presente. Escreveu: “Aprendi a não tentar convencer ninguém. O trabalho de convencer é uma falta de respeito. É uma tentativa de colonização do outro”.

Entendi o ponto de vista de meu amigo. Naquele momento o avalizei.

Quero concluir minha participação nestas eleições com a seguinte afirmativa: para aqueles cidadãos que em algum momento de sua vida guardaram simpatia por uma ação mais social que propriamente econômica e carrega consigo a proposição da emancipação humana, era preferível um segundo turno com Marina e Dilma. Concordando com o sociólogo Giuseppe Cocco, faço minhas suas palavras: “destruíram a reputação de Marina enquanto mulher de luta sem fazer o mínimo passo à esquerda e um monte de gente caiu vergonhosamente nessa armadilha do binarismo.”

Então, torço para que nosso amanhã seja melhor lembrando W. Benjamin: ‘que as coisas continuem como antes, eis a catástrofe’ e para fazer jus ao título quero lembrar a todos que, inevitavelmente, teremos pela frente dias difíceis e,  como de praxe,  arrependeremos de algumas coisas, lamentaremos outras, mas não podemos jogar a toalha. As eleições acabaram e a vida continua e precisamos de união.

Cristina Esteche

Jornalista

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