22/08/2023

Os parresiastas estão aí

O momento é de abertura, de maior liberdade e de colocar para fora o que se pensa, mesmo que o que se pensa seja condenável ou perigoso.  Um aspecto que tem chamado a atenção é que no pior momento da política formal, vive-se um momento, no mínimo, interessante do debate político, sendo um período em que mais se fala e se escreve sobre política.  O nível de participação política (expressar o que se pensa) sobre vereadores, prefeitos, deputados, senadores, promotores, juízes, presidentes e ex-presidentes, enfim, os representantes legítimos do sistema político nacional, é  dantesco. As pessoas, ao seu estilo, desentocam o pensamento, algo que se aproxima daquilo que os gregos chamavam de parresia, ou seja, a convicção e a coragem de dizer a verdade,  doa a quem doer. Sendo dialético, há nisto, momentos de riqueza e momentos de pobreza.

Talvez por conta disto, voltou-se a falar no famoso termo denominado ‘politicamente correto’ e seu contraponto, o ‘politicamente incorreto’.

O ‘politicamente correto’ ou a fala equilibrada, comedida, de não querer ofender ou atingir, está ficando para trás, em especial no pós-manifestações do ano passado e no pós-eleições presidenciais. Sinal de novos tempos. O politicamente correto nasceu nos EUA no meio intelectual que defendia serem condenáveis termos ou expressões que conotassem preconceitos explícitos ou algo que escancarasse posições radicais. Algo em torno de que não seria desejável expressar alguns conceitos e expressões, mesmo que verdadeiras.

Politicamente correto é uma expressão ‘mais zen’ e racional que nos dias de hoje, começa a ser questionado. Foi o publicitário Washington Olivetto que parece ter melhor compreendido o politicamente correto nos dias de hoje. Segundo ele: "Você tem de um lado o cara politicamente correto, que é cerceador e bem educadinho. E do outro o incorreto, que é mal educado e pseudo-divertido. Temos que buscar o que é politicamente saudável, que respeita a inteligência, mas com irreverência e bom humor. Há coisas que não são ofensivas, mas fazem pensar." Assim, segundo ele, estamos vivendo uma crise vulgaridade.

Estou vendo surgir um número expressivo de parresiastas, ou seja, aqueles que assumem o risco não apenas  causar polêmica, mas de enfrentar a hostilidade, o ódio, o bloqueio ou até mesmo a rejeição, em especial no debate acerca das questões públicas. Em grande parte esta horizontalidade, esta igualdade de condições foi patrocinada ou fomentada pelo uso das redes sociais. Como dizia um amigo: ‘somos leões nas redes sociais e pardais na vida real’. Dito de outra forma, somos ferozes e críticos no teclado, mas não conhecemos a praça ou o parlamento.

Ocorre que se todos podem tomar a palavra, então os inconsequentes, os desinformados, os irresponsáveis e os insensatos estão também autorizados a dar sua opinião sobre as questões públicas do mesmo modo que os racionais, qualificados e melhores informados. Deste modo, a cena passa a ser: “não importa quem pode dizer e não importa o quê”. A grande questão que fica é: como fazer coisas com as palavras? Afinal, as palavras ferem, atingem, mobilizam, instigam, fomentam. Portanto, tudo começa com as palavras, daí seu dilema entre ser um perigo e uma  chance.

Particularmente não tenho sido a favor da destruição (do negativismo pelo negativismo), mas sim em favor do que se pode passar, do que se pode avançar, do que se pode corrigir, mesmo que isto contribua para fazer caírem alguns muros, tão necessários nos dias de hoje.  Creio inclusive, que dependendo das palavras e de sua intensidade pode-se fazer um vento que faz estourar as portas e janelas, sem violência ou radicalismo animal. Algo que me fascina é a habilidade de pensar sempre de outro modo. Evidente que isto tem preço e condições, mas algo precisa ser feito. A coragem para pensar e para falar, mesmo que coisas inconvenientes, parece  ser o trunfo dos que ousam mais nos dias de hoje. Ao que tudo indica, é assim que seremos mais úteis à cidade inteira, ou seja, incitando as pessoas a se ocuparem da ação política.

O ato de falar ou escrever, independentemente de possíveis perigos ou do interlocutor, que poderia ser ‘outro filósofo, um professor, um amigo, um familiar, uma autoridade, um religioso, um adversário’ deveria ser a máxima a ser internalizada por muitos, sem censura. Chamamos isto de ‘dizer-verdadeiro’.  A motivação envolve um fator ‘útil, positivo e benéfico’, uma espécie de ‘quero ajudar minha cidade, meu Estado, meu País’ e não vejo outra coisa a fazer neste momento senão dizer o que penso, o que sinto. Afinal, democracia não é uma desconstrução positiva?

Cristina Esteche

Jornalista

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